Governo Temer trava demarcações de áreas quilombolas
O governo Michel Temer mandou suspender as titulações de territórios quilombolas até que o STF (Supremo Tribunal Federal) conclua o julgamento de uma ação sobre a legalidade do processo de demarcação – o que não tem prazo para ocorrer.
Araújo havia pedido à Casa Civil informações sobre a demarcação do quilombo Alta da Serra do Mar, em Rio Claro (RJ).
É a primeira vez que o governo federal suspende titulações de áreas quilombolas por tempo indeterminado desde que essas terras começaram a ser regularizadas, em 1995.
Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 220 territórios já foram titulados, e outros 1.536 estão em processo de regularização.
A suspensão ocorre num momento em que o governo, sob forte pressão da bancada ruralista no Congresso, revisa suas políticas para comunidades tradicionais e indígenas.
Em entrevista recente, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, defendeu que, em vez de demarcar novos territórios, o governo enfoque o bem-estar dos indígenas.
Segurança jurídica
No ofício da Casa Civil ao Ministério Público Federal, assinado pelos assessores Alexandre Freire e Erick Bill Vidigal, o órgão diz que a legalidade da demarcação de áreas quilombolas foi posta em dúvida por uma ação que tramita no STF e que "tudo recomenda aguardar o desfecho do julgamento, a fim de se observar o princípio constitucional da segurança jurídica".
Levada ao STF em 2004 pelo PFL, atual DEM, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 questiona a validade de um decreto presidencial que definiu os ritos e critérios para a demarcação.
No ofício da Casa Civil ao Ministério Público Federal, assinado pelos assessores Alexandre Freire e Erick Bill Vidigal, o órgão diz que a legalidade da demarcação de áreas quilombolas foi posta em dúvida por uma ação que tramita no STF e que "tudo recomenda aguardar o desfecho do julgamento, a fim de se observar o princípio constitucional da segurança jurídica".
Levada ao STF em 2004 pelo PFL, atual DEM, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 questiona a validade de um decreto presidencial que definiu os ritos e critérios para a demarcação.
Para o procurador Júlio José Araújo Júnior, o fato de haver um julgamento pendente sobre o tema não é um argumento válido para suspender as titulações.
"O governo está tentando dar um respaldo jurídico à decisão política de suspender e travar os processos de titulação", diz.
Segundo Araújo, se o governo levar em conta todos os julgamentos em curso que questionam práticas do governo, "nenhuma política pública vai andar".
O procurador afirma que a Constituição obriga o governo a demarcar as áreas quilombolas e que o Ministério Público Federal poderá recorrer à Justiça para forçá-lo a cumprir esse papel.
A responsabilidade de demarcar os territórios quilombolas foi inscrita na Constituição como uma forma de reparar os danos causados pela escravidão.
Em seu artigo 68, a Carta afirma que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".
Para Ronaldo dos Santos, coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), ao devolver os processos, a Casa Civil está "antecipando uma decisão do Supremo de acordo com seu interesse sobre o resultado".
Santos diz que a titulação das terras faz toda a diferença para as comunidades. "Ela é a garantia de que elas poderão permanecer no território para manter suas tradições e seu modo de vida."
"Tivemos a abolição da escravatura sem inclusão em nenhuma política pública", afirma.
A decisão da Casa Civil ocorre em meio à diminuição das verbas para a demarcação de áreas quilombolas.
Em 2017, o Orçamento da União destinou R$ 4,1 milhões para a atividade – o menor volume desde pelo menos 2009.
Os valores vêm caindo desde 2012, quando foram reservados R$ 51,7 milhões para a regularização desses territórios.
Julgamento empatado
O julgamento no STF sobre a validade do decreto que rege a demarcação das terras quilombolas está empatado em um a um.
Em 2012, o então ministro Cezar Peluso, que relatou o caso, acolheu o pedido do DEM e votou pela inconstitucionalidade do decreto.
Já a ministra Rosa Weber considerou que o decreto é legal. O julgamento foi retomado em 2015, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo para estudá-lo melhor. O processo foi devolvido naquele mesmo ano, mas segue parado desde então.
A inclusão do julgamento na pauta do Supremo depende da presidente da corte, Cármen Lúcia.
Questionado pela BBC Brasil, o gabinete da ministra não respondeu quando o caso poderia voltar à pauta.