Casa de religião de matriz africana é atacada em Maceió
A intolerância religiosa é um mal que atinge não só o Brasil, mas todo o mundo. Ela acontece quando alguém tem atitudes e ideologias que caracterizam a falta de respeito pelas religiões que possuem crenças e hábitos diferentes das suas. Em Alagoas, um episódio que ficou conhecido popularmente como Quebra de Xangô aconteceu no dia 1º de fevereiro de 1912 em casas de culto afro-brasileiras de Maceió e de outras cidades do interior do estado.
No Quebra, objetos de culto sagrados foram retirados dos templos religiosos, expostos e queimados em praça pública, intimidando as manifestações culturais de matriz africana. Mas, esse não é um fato isolado. Atualmente, outros já ocorreram no estado em menor proporção. O mais recente aconteceu no último sábado (3), no começo da noite, por volta das 18h, durante uma cerimônia da Comunidade Tradicional de Matriz Africana Ilê Nife Omo Nije Ogba, localizada no conjunto Margarida Procópio, no bairro da Forene, parte alta da capital.
De acordo com a Mãe de Santo Iyálorixá Nailza Araújo, que coordena a casa, todos os participantes foram surpreendidos com uma “chuva de pedras”que foram arremessadas sobre o telhado. “Crianças e jovens entraram em desespero. Eles foram acolhidos pelos adultos, à polícia foi acionada diversas vezes {umas 15}, tanto para o disk 100 quanto 190, mas não ouve retorno. A ação dos vândalos perdurou até mais da meia noite, quando nós, não aguentando tanta intolerância, saímos pelas ruas do conjunto sinalizando a importância da garantia de direitos”, relata.
A Iyálorixá Nailza Araújo é uma mulher negra que mantém as tradições herdadas pelos seus antepassados africanos, e promove o repasse destes saberes para os mais jovens de forma pratica. Ela disse que vem sofrendo com a intolerância no seu cotidiano.
“O terreiro tem em seu entorno diversas igrejas pentecostais, e muitos de seus fiéis, residem próximo. Muitas vezes a falta de compreensão e respeito transforma-se em perseguição. E isso acaba sendo definido como um crime de ódio que fere a liberdade e dignidade humana, pois a liberdade de expressão e de culto são asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal (CF)”, comenta.
REMEMORAR
Para alertar a população contra esses acontecimentos, no dia primeiro de fevereiro, o Cortejo Xangô Rezado Alto foi às ruas do Centro de Maceió. Dezenas de pessoas, além de 11 grupos de cultura afro-brasileira.
Em entrevista para a Tribuna Independente, Pai Célio de Iemanjá, um dos líderes de religião de matriz africana no estado, disse que a celebração chama atenção para a intolerância religiosa. Além do Quebra, ele relembra outros episódios e conta que alguns não chegam a conhecimento da população.
“Não é apenas uma quebra. Tiveram várias outros, como à extinção de Quilombo dos Palmares. A segunda foi à separação de Alagoas e Pernambuco, e a terceira foi quando Getúlio Vargas impediu os cultos de matriz africana em todo território do país. Isso nos tirou visibilidade. O Quebra vem de uma conjuntura política. Queriam linear coisas ligadas ao governo daquela época. Hoje estamos celebrando para não acontecer fato semelhante”, explica Pai Célio. Caso será investigado pelo 10º Distrito
Um dia após ação dos vândalos, a mãe de santo Iyálorixá Naiza Araújo foi fazer o boletim de ocorrência. O caso deve ser investigado pela Delegacia do 10º Distrito, no conjunto Eustáquio Gomes.
Um grupo de religiosos acompanharam a Iyálorixá. O grupo decidiu em reunião acionar as federações, a Secretaria da Mulher Cidadania e dos Direitos Humanos, a Organização dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL) e os órgãos municipais e estaduais, competentes para buscar soluções.
“Não podemos nos silenciar, é preciso que o poder público nos dê liberdade de culto, somos cidadão, pagamos nossos impostos”, ressalta Iyalorixá Naiza Araújo.
A comunidade não sabe de onde partiu as pedras, mas, acredita que foi de algum quintal próximo ao candomblé.
“Quando jogaram a primeira fomos à rua eu e meu filho, mas não havia ninguém, e enquanto estávamos na rua ainda assim jogaram, ou seja, as pedras partiram do quintal de alguém. Meu candomblé está todo quebrado no telhado. Fiz uma reforma no telhado do candomblé em setembro, pois desde 2015 jogam pedras. Com o último inverno eu morei em baixo de inúmeras pingueiras. Reformei de forma geral e agora terei que reformar novamente”, conta Araújo.
OAB
Alberto Jorge, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Social da OAB de Alagoas, participou de uma reunião ontem (5), com o grupo de representantes da religião afro-brasileira e vai preparar uma representação criminal contra os pastores das quatro igrejas do bairro.
“Vou fazer a representação contra os pastores porque pelo que tudo indica são eles que incitam a intolerância religiosa. Amanhã [hoje (6)], eu vou entregar na delegacia de polícia que vai investigar. A representação serão para os pastores porque são eles que representação os seus “fiés”, disse Jorge.
Alberto Jorge informou que a OAB/AL, vem acompanhado as denúncias e que vai cobrar das autoridades competentes a elucidação.
“Caso de intolerância religiosa é um crime grave. A lei brasileira diz que a liberdade de crença é “inviolável”, ressalta o presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Social da OAB de Alagoas.
FONTE: Tribuna Hoje em 06/03/2017