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Família ainda não sabe quando jovem quilombola sairá da cadeia

Acusação, de fato, não há nenhuma contra Evaldo Jerônimo Florentino, 23 anos, que também não tem nenhuma passagem pela polícia. Mesmo assim, o jovem agricultor, filho de uma das mais respeitadas lideranças políticas e culturais do território quilombola do Sapê do Norte, Berto Florentino, continua preso em São Mateus, desde a quarta-feira passada (26).

A Polícia alega que a prisão faz parte das investigações sobre o assassinato de um cabeleireiro em Pedro Canário e que Evaldo se pareceria com uma das pessoas presentes num restaurante onde a vítima se encontrava momentos antes do crime. Apenas suspeitas, nenhuma acusação de fato, pois não há nenhuma identificação pessoal dele com autor de crime, como apontam familiares.
 
Nessa quinta-feira (3) foi feita coleta de digitais para o exame papiloscópico. O prazo máximo para a divulgação dos resultados é de trinta dias e o prazo máximo regimental para prisões temporárias com fins de investigação, como a dele, de 60 dias. A família, no entanto, que mora na comunidade quilombola de São Domingos, em Conceição da Barra, ainda não sabe por quanto temo Evaldo continuará detido na delegacia de São Mateus.
 
Nessa terça-feira (1), familiares acompanharam o advogado contratado para cuidar do caso até a delegacia de Pedro Canário, mas não obtiveram nenhuma posição, do próprio advogado, sobre que medidas estão sendo tomadas para a liberação do rapaz.
 
“Nossa luta é desde nossos antepassados, nossos bisavós, que trabalhavam como escravo pra esse povo. Querem fazer de novo a escravidão. Acabaram com a nossa água, com os peixes, com a nossa cultura”, relata Altiane Blandino, presidente Associação de Comunidades Rurais Quilombolas e morador de São Domingos, mesma comunidade de Evaldo e Berto.
 
“O Berto já foi muito castigado”, afirma Altiane, citando várias situações de violência da Polícia, Militar e Ambiental contra a família do contraguia do Ticumbi de Itaúnas. Duas delas já foram julgadas pela Justiça Federal, que determinou indenizações de R$ 200 mil e R$ 100 mil, mas a empresa recorreu e a comunidade ainda não conhece o resultado final.
 
Altiane cita também um outro fato traumático, ocorrido há cerca de seis anos, quando a Aracruz Celulose (Fibria) levou vários integrantes da comunidade do Chiado para uma audiência pública em São Mateus sobre demarcação de território quilombola.
 
O presidente da Associação das Comunidades Quilombolas conta que a empresa chegou a afirmar, na audiência, que os militantes do Sapê do Norte estavam querendo tomar as terras dos moradores do Chiador, quando ele saiu em defesa, explicando que quem invadiu e roubou a terra dos quilombolas foi a Aracruz Celulose, apontando um mapa, reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que estava pregado na parede, mostrando as terras devolutas usurpadas dos quilombolas pelas monoculturas de eucalipto, cana-de-açúcar e mamão. “Acabei com a conversa. Promotor e todo mundo bateu palma”, recorda.
 
A audiência foi um dos emblemáticos exemplos das tentativas da empresa de incitar a discórdia entre as comunidades e entre os moradores de uma mesma localidade, como estratégia de enfraquecimento da luta. Ele próprio e sua família foram vítimas diretas dessa estratégia. Há cerca de trinta anos, eles foram expulsos pela Aracruz Celulose, que disse ter comprado a terra onde moravam de uma outra família quilombola vizinha.
 
Fiquei muito triste. Jaqueira, coqueiro, laranjeira, mangueira … árvores que a gente brincava embaixo, foi tudo abaixo com trator, que passou por cima, destruiu tudo, nossa casa, tudo”, relembra, com pesar. “Sempre falo com o Ministério Público, falo com juiz: isso é uma coisa que nunca vai parar de doer em mim. A empresa nos obrigou a sair, se não ia derrubar tudo com nós dentro. E meu pai nunca vendeu aquela terra, fomos expulsos”, denuncia.
 
A família vizinha, que vendeu as terras de seu pai, também é quilombola, mas se deixou convencer pela Aracruz Celulose a vender a propriedade. Mudaram-se para a cidade e perderam tudo, estando hoje também em situação de dificuldade. “Eram quase 80 alqueires de terra”, conta Altiane.
 
E assim, de cooptação em cooptação e também muitas fraudes, a monocultura de eucalipto tem se expandido no norte e noroeste do Espírito Santo. Seja expulsando, retirando à força, seja iludindo com promessas de emprego, seja usando testas de ferro que fraudam documentos, a empresa tem envidado esforços há décadas para retirar os quilombolas de seu território. Os que foram vencidos estão nas periferias das cidades, no norte ou na Grande Vitória. Os que resistem, lutam, arduamente, para reconstruir a vida em meio ao deserto verde, protegendo córregos, nascentes e plantando alimentos agroecológicos.
 
Criminalizações como a sofrida pelo jovem Evaldo acontecem há décadas e, infelizmente, a maioria dos advogados da região ainda não está preparada para lidar com essa situação peculiar, atendo-se a procedimentos técnicos que só prolongam o sofrimento das vítimas, suas famílias e comunidades.

 

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