• (21) 3042-6445
  • comunica@koinonia.org.br
  • Rua Santo Amaro, 129 - RJ

Furto de madeira de eucalipto gera prejuízo milionário no Norte do ES

Um crime que muitas vezes fica impune e que dá um prejuízo de R$ 20 milhões ao ano: o furto de madeira no Norte do Espírito Santo. Sem medo, os responsáveis usam até mesmo tratores para pegar os troncos cortados nas florestas de eucalipto e atravessam a fronteira do estado com a Bahia diariamente. Durante dois dias, a reportagem percorreu plantações para entender como agem as quadrilhas.

Em uma das florestas, que pertence a uma empresa privada em Conceição da Barra, os seguranças contaram que já foram ameaçados de morte e que quase foram atingidos por tiros. "Efetuaram o primeiro disparo e em seguida mais dois disparos, mas não acertou ninguém, graças a Deus. O clima é tenso, o clima é bravo", contou um dos seguranças, que preferiu não se identificar. Eles não andam armados.

Quilombolas pegando madeira em Conceição da Barra (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)
Quilombolas pegando madeira em Conceição da
Barra (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)

As estradas de terra que cortam as plantações geralmente ficam bloqueadas por troncos de árvores, para impedir a passagem de carros. Assim, as pessoas que furtam madeira ganham tempo para fugir da fiscalização.

A reportagem parou o carro em um ponto da estrada e seguiu andando para tentar falar com algum grupo. Os agricultores Jorge e Robson Carvalho estavam com um caminhão no local, cortando madeira e carregando o veículo. Eles aceitaram conversar.

Jorge, que é quilombola, alegou que as terras pertenciam ao pai dele, que foi enganado quando negociou a venda há mais de 30 anos. Ele disse que, por esse motivo, não se vê como ladrão de madeira.

"Moradores de Conceição da Barra, que não tem terra, estão levando madeira. Moradores de São Mateus, que não tem terra, também estão levando madeira. O pessoal de Linhares também está levando, e a gente está pagando por eles. Eles roubam, mas a gente não", disse.

Robson falou que o furto de madeira é algo comum na região há alguns anos. "Muita gente rouba madeira, isso é comum em todo o canto", contou.

Em outra plantação, outro homem que estava furtando madeira aceitou conversar com a reportagem. Ele estava com outras duas pessoas, que cortavam as árvores com um machado, e alegou que a madeira será usada para fazer uma cama.

"Essa madeira não é minha, não senhor. E aqui tem muito furto, você vê caminhão, trator, o pessoal passando. A motosserra come forte mesmo", disse o artesão Oziel de Lima.

As áreas mais afetadas pertencem a empresas que usam o eucalipto para fazer celulose, mas agricultores que vendem a madeira também são vítimas. É o caso de Jacimar Zanelato, que mora no município de São Mateus e teve parte da fazenda incendiada. "Nós perdemos 1,3 mil metros cúbicos de madeira, num valor aproximado de R$ 100 mil. Isso assusta porque esses atos têm aumentado", disse.

Imagens gravadas por uma das empresas afetadas flagraram as quadrilhas agindo à luz do dia, com tratores, enchendo carrocerias de madeira. Segundo as pessoas que fazem o monitoramento, mais de 10 caminhões carregados saem por dia das plantações.

Boa parte das toras sai queimada, porque criminosos colocam fogo na plantação para que as empresas não possam mais usar a madeira para fazer celulose. Entretanto, essa prática acaba gerando um outro problema: é comum os incêndios se espalharem e atingir áreas de mata preservada.

Flagrante de furto de madeira no Norte do estado (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)Flagrante de furto de madeira no Norte do estado (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)

Madeira vai para a Bahia
Para saber para onde a madeira furtada vai, a reportagem seguiu um caminhão carregado. Ele saiu do município de Conceição da Barra, seguiu pela BR-101, passou por uma praça do pedágio, atravessou a divisa do estado com a Bahia e depois passou bem em frente a um posto da Receita Estadual, sem ser parado.

Mais de 100 km depois ele estacionou em frente a uma serraria, que faz tratamento de madeira, na cidade de Posto da Mata, Sul da Bahia. "Como é que você passa com nove ou dez caminhões de madeira ou carvão por dia e não é pego pela fiscalização?", questionou o agricultor Jacimar Zanelato.

A polícia fez uma megaoperação em 2011 e prendeu mais de 20 pessoas envolvidas nesse tipo de crime, no Espírito Santo, em Minas Gerais e na Bahia. A conclusão é que empresas de fachada são montadas para receber a madeira. Trezentas pessoas já foram indiciadas por participar do esquema.

"Não é um trabalho fácil, nós temos uma extensão muito grande de estradas a vigiar, mas é preciso trabalha com inteligência, para não fazer abordagens aleatórias e com pouca efetividade. É preciso atuar sobre quem financia e quem se beneficia dessa atividade criminosa, e que não são os pequenos agricultores e nem quem está trabalhando na base", explicou o secretários de Estado de Segurança Pública, André Garcia.

A investigação aponta que a madeira furtada vira matéria-prima para fazer cercas, estacas usadas na construção civil, e também vai fornos que fazem carvão. É um prejuízo de mais de R$ 20 milhões por ano no Espírito Santo para agricultores, empresas e o estado, que deixa de receber impostos.

Madeira saindo do ES e indo para a Bahia (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)Madeira saindo do ES e indo para a Bahia (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)

Federação da Agricultura
A Federação da Agricultura explicou que o crime começou há 15 anos e está crescendo. Ano passado a área com madeira furtada chegou a 20 mil hectares, quase 20 mil campos de futebol, o que significa um aumento de mais de 40% em relação ao ano anterior. As pessoas que cortam as árvores são o elo mais fraco da corrente criminosa, pois são os que mais trabalham e menos lucram.

"Os trabalhadores que operam as motosserras são infelizes que são usados, mas aí tem o camarada que é dono do caminhão, e aí já exponencia o crime. É como se fosse um negócio legalizado", disse o presidente da Federação da Agricultura do estado, Julio da Rocha.

Para Julio, as pessoas que cometem os furtos e os mandantes têm certeza da impunidade. "A pessoa começa a ganhar dinheiro fácil, então não vai exercer uma atividade para se submeter a pagar impostos, IPVA de carro, legalizar trabalhadores, a ter endereço fixo. Então quanto mais se ganha, mais cresce a volúpia de se conseguir mais dinheiro", falou.

Quilombolas
A reclamação do agricultor Jorge Carvalho, que disse que aquelas terras pertenciam à família dele, tem fundamento nas comunidades quilombolas do Norte do estado. Segundo eles, as empresas que dominam as plantações de eucalipto na região enganaram os quilombolas na década de 1970, quando se apropriaram das terras alegando que eram do estado ou compraram a preços muito baixos.

Para o líder quilombola Domingo Firmiano dos Santos, o Chapoca, nesse caso não se trata de furto. "Eles tem que pegar mesmo, estão tirando madeira de um território que é deles. Temos processo de demarcação e titulação de território rolando na Justiça, mas até agora nada", contou.

Chapoca também reclamou que as empresas não afzem investimentos nas comunidades quilombolas.

"Poderiam oferecer algum projeto social, mas não fazem nada. Nem dar emprego. Sei apenas de alguns quilombolas da comunidade de São Domingos que participam da cooperativa e trabalham com eucalipto. Fora que estão acabando com aquela terra, não tem água nenhuma mais, os córregos estão secos. O eucalipto seca tudo", falou.

Sobre a reclamação, o presidente da Federação da Agricultura disse que todas essas áreas são reconhecidas pela Justiça e que o caminho para questionar essa negociação, segundo Julio, é também a Justiça.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo