Grupo de Trabalho é criado para solucionar impasses entre terras quilombolas e UCs
O Diário Oficial da União (DOU) publicou nesta quarta-feira (3) uma portaria que cria Grupo de Trabalho Interinstitucional entre Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo é priorizar a sobreposição entre Unidades de Conservação Federais e Terras Quilombolas. O grupo tem prazo de 180 dias para concluir o trabalho e chegar a uma proposta de solução.
Ao menos oito processos de titulação de terras quilombolas em diferentes Estados estão paralisados em função da sobreposição com Unidades de Conservação federais. Os casos foram levados pelo ICMBio à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, órgão da composição da Advocacia Geral da União, em 2007, mas após quase nove anos ainda não chegaram a acordos que possibilitassem a titulação dos quilombos.
A Comissão Pró-Índio de São Paulo espera que a criação do GTI possa assegurar a agilização do diálogo entre Incra e ICMBio, uma vez que o impasse tem impedido a efetividade de direitos fundamentais garantidos às comunidades quilombolas, como o direito ao território, o acesso a políticas e mesmo o direito de ir e vir. E alerta para a importância de se assegurar a ampla participação e consulta aos quilombolas quanto às propostas acordadas.
Impasse paralisa processos de titulação
Em outubro de 2015, a Comissão Pró-Índio de São Paulo promoveu o encontro de representantes de comunidades quilombolas na Amazônia para compartilharem as dificuldades que enfrentam por viverem em territórios sobrepostos a unidades de conservação. O seminário “Terras Quilombolas e Unidades de Conservação”, reuniu lideranças quilombolas do Amazonas, Amapá, Pará e Rondônia; representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Rondônia, Amapá e Óbidos (Pará), do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado do Pará.
Durante o seminário, a Procuradora da República Maria Luiza Grabner afirmou que o impasse entre os órgãos não impede o Incra de continuar com os procedimentos de titulação. “Não é necessário aguardar definição da AGU para continuar com o processo de titulação, esse é o entendimento da 6ª Câmara do MPF”, explicou Grabner, coordenadora do GT Quilombo da 6ª Câmara do Ministério Público Federal.
No entanto, não é o que se verifica na prática. Mesmo com ordem judicial, os processos não caminham. No caso dos quilombolas de Oriximiná (PA), a Justiça Federal de Santarém determinou, em fevereiro do ano passado, que União, Incra e ICMBio concluam no prazo de dois anos o procedimento administrativo de identificação e titulação das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas do Alto Trombetas. Transcorrido um ano da decisão, nenhuma medida foi tomada pelo Incra e/ou ICMBio para atender a determinação do Judiciário.
Enquanto as titulações não são concluídas, os quilombolas vivenciam um cotidiano de restrições como, por exemplo, para a realização das atividades de subsistência. “Eles tiram nosso costume, isso me preocupa muito. Para fazer a roça tem que pedir autorização o ICMBio”, queixa-se Aluízio Silvério dos Santos, cujas terras estão sobrepostas à Floresta Nacional Saracá-Taquera e a Reserva Biológica do Trombetas, em Oriximiná (Pará).
O acesso às políticas públicas também é um desafio para as comunidades que vivem em sobreposição às áreas de conservação. “É viver limitado, o desenvolvimento não chega na comunidade, temos muitas dificuldades para os projetos chegarem. O 'Luz para Todos' não temos por conta do ICMBio” exemplifica Rosimeire do Quilombo Cunani, no Amapá. Os quilombolas relatam dificuldades para garantir direitos básicos como a construção de escolas e implantação do saneamento básico. Em Oriximiná, o ICMBio proíbe emissão da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) para os quilombolas que vivem na Reserva Biológica (Rebio) do Rio Trombetas, declaração que é utilizada como instrumento de identificação do agricultor familiar para acessar diferentes políticas públicas de inclusão produtiva. Por essa razão, na Carta do Seminário, os participantes requereram ao governo federal que implemente e não impeça a implementação de políticas públicas nessas comunidades.