Violência, incêndio e racismo: a luta quilombola contra lentidão da Justiça
Os filhos de Gilmar, liderança da comunidade quilombola Patos do Ituqui, deviam estar em casa naquele domingo à noite. Por sorte – alguns chamariam de destino -, estavam em outra comunidade de Santarém. A casa da família foi totalmente incendiada no último dia 7.
Mas o quealgumas pessoas chamariam de desastre é muito mais do que uma questão de azar. É resultado de um conflito que se arrasta com fazendeiroshá quase cinco anos. O galão de gasolina encontrado pela perícia policial no local aponta o incêndio como criminoso. Outra residência da comunidade sofreu tentativa de invasão na mesma noite.
Esta foi a segunda casa de quilombolas incendiada em dois meses, na região, que retratamas violências e crimes sofridos pela comunidade. A ação do movimento quilombola, que denunciou a diversos órgãos a extração ilegal de madeira e a queimada de igapó – vegetação de locais alagados típica da floresta amazônica – acirrou o conflito com os fazendeiros.“É muito difícil”, conta Gilmar. Segundo ele, um fazendeiro chegou a colocar fogo na vegetação da propriedade. “Além de cometer um crime, fica dizendo que os responsáveis somos nós, quilombolas”, denuncia.
A comunidade quilombola de Patos do Ituqui, localizada em Santarém, Oeste do Pará, foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2014. Desde então, os integrantes da Associação de Remanescentes de Quilombo da comunidade tem lutado pelo reconhecimento do território no Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), apesar da falta de avanços por parte do órgão.
Os moradores de Pato do Ituqui querem garantir o uso de área tradicionalmente ocupada pela comunidade. Algumas áreas não conseguem ser acessadas pelos quilombolas.O fazendeiro Carlos Reinildo cercou parte da região e impediu o acesso a áreas utilizadas para atividades comunitárias de pesca, plantio de roçados e criação de animais. A cerca foi colocada inclusive em área de várzea – planície inundável -, que é pública, pois é por onde trafegam pescadores e embarcações durante o período de chuvas.
Foram diversas as tentativas para que Carlos Renildo retirasse a cerca, ao menos da área de várzea. O fazendeiro ingressou com uma ação de interdito proibitóriocontra os quilombolasque tramita na Vara Agrária da Comarca de Santarém.
Eliane, integrante da Associação, pede agilidade no processo de titulação do Incra. Enquanto as terras não são demarcadas, o conflito segue se acirrando. “Os órgãos têm que tomar providência, porque está cada vez mais difícil. Tem muita ameaça de morte, racismo, e tentativa de invasão”, conta. “A gente dorme com medo de acordar com a casa pegando fogo”.
Os conflitos já foram comunicados à Secretaria de Meio Ambiente, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao Ministério Público e a outros órgãos do Sistema de Justiça, sem que nada tenha sido realizado até o momento.
Para a advogada popular da Terra de Direitos, Layza Queiroz, a situação na comunidade quilombola de Patos do Ituqui é muito grave e necessita de tomada de providências imediatas. “Há anos os quilombolas denunciam crimes ambientais na área, bem como são vitimas de ameaças por fazendeiros locais”, fala. “O incêndio criminoso de duas casas de quilombolas no período de dois meses é uma alerta aos órgãos responsáveis para que tomem providências imediatas para resguardar a vida e integridade física das pessoas que moram no local”.