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Lutas e conquistas dos negros no Amazonas

Há 160 anos o Amazonas recebeu a última leva de negros africanos como escravos livres. Esse foi o início de uma história de batalhas e conquistas de um povo que ainda hoje contribui para o desenvolvimento cultural do Estado. Um exemplo, foi o reconhecimento da Fundação Cultural Palmares (FCP/Minc), vinculada ao Ministério da Cultura, à Comunidade Quilombola do Barranco de São Benedito, localizada no bairro Praça 14 de Janeiro, zona Sul, como a segunda comunidade quilombola do país. Com a aprovação do projeto, a área que abrange a comunidade foi tombada e será delimitada pelo Incra.

O presidente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (Igha) e médico, Antonio Loureiro, conta que ao chegarem ao Amazonas, os negros eram entregues à recém criada Província do Amazonas para atuar como trabalhadores livres. Eles precisavam trabalhar durante 10 anos no Brasil para que pudessem receber a cidadania brasileira. Loureiro explica que durante os 300 anos que os negros entraram no país, mais especificamente no Amazonas, a miscigenação de raças foi predominante, principalmente em relação aos índios. Daí a justificativa, segundo ele, para as diferentes características físicas do amazonense. “Os negros tiveram forte participação no período da escravidão. Porém, diferente das demais regiões do país, aqui não houve o apartheid, não houve barreiras para os contatos. As características físicas diferem mas se as pessoas fizerem exames médicos constatarão que suas enzimas são de negros”, disse.

Loureiro lembra que o Amazonas recebeu 1,5 mil escravos. Enquanto no Pará esse número chegou a mais de 100 mil. Segundo ele, a cidade de Belém chegou a ser 50% composta por negros. Ele afirma que as maiores comunidades quilombolas do país estavam situadas na Amazônia e que o grupo que prevaleceu por mais tempo foi a que estava localizada no rio Trombetas. “Todo o interior de Óbidos e Oriximiná eram de quilombos. Somente em Santarém existiam três serras quilombolas. Logo após vieram pessoas de Barbados, no Caribe, e também do Maranhão que também ocuparam o Estado. Hoje, os negros existentes no Estado não são totalmente puros”, conta.

No “dia” seguinte

Segundo Loureiro, apesar do aspecto positivo resultante da libertação dos escravos, o feito histórico também acarretou um fator negativo, no período histórico, que foi a substituição da mão de obra negra pelos recém-chegados italianos e alemães. “O negro teve que ir para as favelas sem trabalho e muitos ainda chegaram ao Amazonas, nesta época, para trabalhar nos seringais”.

No contexto atual, Loureiro destacou a atuação do governo federal a partir da criação de cotas e divisão de raças como algo negativo que de acordo com ele, gera atritos ideológicos entre a população brasileira. O pesquisador avalia que com base na educação e no esforço próprio é possível o ser humano, seja ele de que raça for conquistar um bom espaço no mercado profissional assim como nas demais áreas da vida. Ele destaca que historicamente os negros alcançaram os maiores patamares da sociedade, como por exemplo, o governador Eduardo Ribeiro, que foi o primeiro negro na história a ocupar um cargo político elevado. “Querem criar um atrito ideológico interno com a criação de cotas. É o divisionismo do povo brasileiro. O sistema de meritocracia brasileiro está destruído há muito tempo. A pessoa precisa estudar, ler, crescer, caso contrário, não passará adiante”, opinou. “A consciência negra em vez de despertar a pessoa a conquistar novas oportunidades, está se convertendo em ódio e isso não vai levar a pessoa a lugar nenhum”, completa.

Tambor dos pretos no Parque do Jaú

O doutor em antropologia, João Siqueira, desenvolveu uma pesquisa intitulada “Tambor dos pretos”: processos sociais e diferenciação étnica no rio Jaú. O trabalho teve como base a comunidade Quilombola do Tambor, do rio Jaú. Ele explica que a proposta da sua tese de doutorado era de analisar os processos sociais que culminaram com a organização de um grupo social em termos étnicos. Segundo Siqueira, até agosto de 2011, período em que a sua tese foi concluída, aproximadamente 25 famílias moravam na área do Tambor. Ele acredita que atualmente esse número seja maior. “Vale lembrar que após os primeiros anos da criação do PNJ (Parque Nacional do Jaú) havia pelo menos uma centena de famílias morando naquela região. Mas a violência e as pressões dirigidas contra a população logo após a instalação da base de controle do PNJ quase provocaram o chamado esvaziamento pretendido pela administração da unidade de conservação”, disse.

Segundo o pesquisador, a presença das famílias negras no rio Jaú, das quais descende parte dos moradores do Tambor, está ligada ao final da primeira década do século 20, período em que o casal Jacinto de Almeida e Maria Leopoldina, acompanhado de um amigo, Isídio Caetano, se instalaram na margem direita do médio Jaú. “Os demais negros teriam vindo de Sergipe”, afirma.

Para Siqueira, a pesquisa permite reconhecer a diversidade dos grupos socioculturais. “Exemplo disso pode ser notado com a regulamentação, de dispositivos que asseguram o efetivo reconhecimento e direitos dos povos e comunidades tradicionais preceituados na Constituição Federal de 1988

Conquistas e reconhecimento

Como resultado da luta dos integrantes da Comunidade Quilombola do Barranco de São Benedito, no último ano a Fundação Cultural Palmares concedeu aos descendentes dos escravos maranhenses a certidão de autodenifinição de quilombo. O reconhecimento tornou a comunidade o segundo quilombo em área urbana do país. O grupo ainda contou com outra relevante conquista, no primeiro semestre deste ano, que foi a sanção de uma lei estadual que transforma o quilombo urbano em patrimônio cultural e imaterial de autoria do deputado Bosco Saraiva (PSDB).

Segundo o deputado, o objetivo do seu projeto era de contribuir com o desenvolvimento da comunidade negra no Amazonas. “Além de presidente da Comissão de Cultura sou um curioso da cultura local. Também tenho uma relação muito próxima com os negros residentes na Praça 14”, disse. Para Saraiva, entre outras contribuições trazidas pelos negros ao Estado, destaca-se a influência à gastronomia local. “Eles trouxeram os quitutes que tanto apreciamos”, avaliou.

A dona de casa Maria José Vieira, 72, reside na Comunidade desde que nasceu, juntamente com seu irmão, Manoel Paixão da Silva, 69. Ela conta que seus bisavôs migraram do Maranhão para Manaus em 1890 e a partir daí houve um desenvolvimento de sua família na capital. Ela demonstra satisfação ao falar sobre as vitórias alcançadas por sua comunidade junto ao cenário estadual e nacional. “Somos reconhecidos pela nossa história. Isso nos deixa felizes porque sabemos que conquistamos a confiança dos representantes do Estado”, disse

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