• (21) 3042-6445
  • comunica@koinonia.org.br
  • Rua Santo Amaro, 129 - RJ

Mais de 42 familias Quilombolas serão desapropriadas em Sergipe

Segunda feira, dia 26 de maio de 2014. Entre a paisagem rústica da região do Baixo São Francisco sergipano, os arrozeiros e as criações de peixe, homens e mulheres, em círculo, aglomeravam-se inquietos na sede da comunidade quilombola da Resina. Motivo? Uma decisão judicial de reintegração de posse de uma área de mais de 70 hectares, onde mais de 42 famílias, de origem quilombola,  sobrevivem e cultivam a sua vida.

Em minúcias, a decisão proferida pelo Juiz Federal Ronivol de Aragão, no dia 29 de abril do corrente ano, demanda que as mais de 42 famílias saiam da sede da comunidade quilombola da Resina, para que a então proprietária, Ana Catarina Santos Martins, tome posse da sua propriedade rural, tendo como prazo final para o cumprimento da sentença os dias 26 e 27 de maio.

Representantes do INCRA, Antonio Oliveira dos Santos, membro da Comissão designada para emitir o relatório para a Justiça Federal, e o ouvidor agrário Paulo Chagas, estiveram no local nas primeiras horas da manhã do dia 26, no sentido de ler a decisão judicial para a comunidade.

Presentes à leitura, estavam a outra parte da peleja, a  Ana Catarina e os seus representantes.

Com ouvidos atentos e corações apertados, os quilombolas ouviram a decisão e se manifestaram pela resistência e permanência nas terras, enquanto não houvesse a presença de um oficial de justiça para informá-los,  de forma oficial,  sobre o processo de desocupação.

De 2010 para cá

Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação contra a construtora Norcon, denunciada por estar comprando terras da União, na região que envolve a   Resina, e ameaçando diversas comunidades na região.

A partir deste processo, o mesmo juiz, Dr. Ronivol de Aragão, deu ganho de causa a favor do MPF, reconhecendo que aquelas áreas  pertencem a União. Ao todo são mais de 800 hectares de terra.

Ao mesmo tempo em que houve esse reconhecimento do Judiciário Federal sobre o pleito do MPF, outro processo estava sendo concluído.

As mesmas terras, compreendendo mais de 800 hectares de chão, há mais de cem anos, são ocupadas por comunidades de origem quilombola, e o laudo feito pela Fundação Palmares – órgão responsável por averiguar as origens das terras remanescentes de quilombos – constatou essa situação e encaminhou para os órgãos responsáveis a titularização dessas terras sendo de origem quilombola.

Contudo, apesar de diversos esforços das comunidades quilombolas, esse processo de reconhecimento ainda está esperando pela regulamentação, desde Julho de 2012. Essa morosidade, ensejou uma ocupação dos moradores da Resina no início de maio deste ano, na sede do INCRA em Aracaju. A principal pauta era, justamente, a cobrança da titularização das terras.

Entretanto, durante o processo que envolveu o Ministério Público Federal e a Norcon em 2010, houve um pedaço de terra de 70 hectares, que não pertencia a Construtora e que está sendo reivindicada agora, pela autora do processo que culminou com a decisão de desapropriação, Ana Catarina Santos Martins, e que representa, de certo, o coração do sistema produtivo da comunidade.

Titulação

O que ocorre é que o próprio INCRA em Sergipe, através de laudos e estudos,  já reconheceu toda a área, incluindo os 70 hectares que são o motivo do imbróglio jurídico, como terra da União, restando, de fato, somente a titulação deste território.

Durante essa semana, os representantes do INCRA ficaram responsáveis, inclusive, de intermediar essa situação junto a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) , além das instâncias do INCRA em Brasília, para apressar a titulação dessas terras de origem quilombolas.

“A primeira vez que vimos essa mulher foi hoje!”

Na ação, uma dos principais argumentos da  autora, Ana Catarina, consistiu na alegação de que a mesma freqüentava a fazenda da família aos finais de semana e que sofria um enorme prejuízo por não usufruir das suas terras.

Entretanto,  todos na comunidade da Resina foram unânimes em dizer que conheceram a Ana Catarina na segunda, dia 26.

“Nós nunca vimos essa mulher, ela nunca plantou um grão de arroz aqui, nem a passeio ela vinha aqui, eu sei quem é a tal de Ana Catarina por que ela veio aqui hoje, se não, nem sabia quem era”, afirma D. Marília, há 48 anos moradora da Resina.

“É certo deixar de dar para 42 famílias para dar a apenas uma?”

Um dos principais problemas na desapropriação desses 70 hectares é que esse espaço representa o coração do sistema produtivo da comunidade,  onde se concentra o plantio do arroz e a criação dos peixes. A população estima mais de 50 mil reais de prejuízo nessa desapropriação.

“Minha vida está aqui, o sustento da minha família está aqui. É certo deixar de dar para 42 famílias, isso é a justiça?”, indaga Iraneide Machado, de 37 anos. Mãe de sete filhos. Iraneide nasceu na Resina e sustenta os seus rebentos da pesca e do cultivo dos peixes

Da mesma forma D. Marília dos Santos, que há 48 anos mora na Resina, e viu os seus 15 filhos nascerem e sobreviverem desta terra.

“ Vi os meus filhos se criarem aqui, aqui plantamos, cuidamos e colhemos o que a terra nos dá, não podemos aceitar essa situação, onde vamos plantar, onde vamos guardar o nosso arroz?”, pergunta D. Marília com os olhos cheios de lágrimas.

Confronto diário

Com essa decisão judicial, as terras da Resina são, praticamente, divididas ao meio. O coração produtivo da comunidade ficará com a autora da ação, enquanto o restante do terreno permanecerá sob posse da comunidade da Resina, ou seja, as duas partes terão que conviver, diariamente, entre si.

Para exemplificar a situação; para que a autora do processo chegue até a área que ela pleiteia sendo sua, ela terá que passar por terras quilombolas, não existe nenhum outro acesso por terra, somente pelo rio.

Para uma das lideranças da comunidade da Resina, Clesivaldo, a divisão desta área gerará um conflito diário.

“Como vamos conviver juntos em um mesmo espaço? Essa decisão judicial irá criar um confronto enorme entre a gente. Já se sabe inclusive que os fazendeiros da região, quando essa terra for desapropriada, farão um grande churrasco de comemoração do nosso despejo, você tem noção de onde isso pode chegar?”, arremata Clesivaldo.

Apoios

O Movimento Nacional de Direitos Humanos em Sergipe (MNDH-SE), junto com o Instituto Braços, que atua em defesa dos Direitos Humanos no estado, estiveram presentes na manhã desta segunda (26) e afirmaram seu compromisso na luta da comunidade.

“Estamos aqui para apoiar a luta do povo da Resina e assessorar juridicamente, sabemos da luta de vocês e o que significa esse pedaço de terra para a sobrevivência da comunidade, portanto, nos juntamos a cada quilombola frente a justiça, a dignidade e o reconhecimento dessas terras  para o seu povo originário, os quilombolas” defendeu Lidia Anjos, articuladora do MNDH-SE.

Reunião com o Incra
Nesta quarta-feira (28), ás  9 horas da manhã, algumas lideranças da comunidade da Resina, a articuladora do MNDH-SE , Lidia Anjos,  estarão em reunião com os representantes do INCRA em Sergipe para avaliar  quais serão os encaminhamentos para apressar a situação da regulamentação dessas terras, a fim de evitar a desapropriação e o confronto emergente.

“Precisamos da titulação do nosso território o quanto antes, não podemos esperar nem mais um dia para ter a regulamentação daquilo que é nosso, de fato e de direito”, afirma Clesivaldo.

Serviço

Reunião entre os representantes do INCRA  e da comunidade da Resina
Local: Sede do INCRA em Sergipe
Horário e Data – 28 de maio, ás 9h da manhã
Contato
Lidia Anjos MNDH/ SE – 9951 9945
Maria Izaltina  Quilombola – 9855-9051

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo