“O Brasil tem dívida de 500 anos conosco”, bradam quilombolas em Festival de Cultura de Itacaré
Enquanto uma artesanal canoa cortava o mar do Porto de Trás, quilombolas e lideranças políticas, governamentais e sociais se concentram no Centro Cultural de Itacaré, na região do Baixo Sul da Bahia, para iniciar o I Festival de Cultura e Encontro das Lideranças Quilombolas de Itacaré, evento que teve cobertura especial do Camaçari Fatos e Fotos. Frutas nativas e o casarão construído com técnicas de quilombo aconchegavam os visitantes em meio ao brado em defesa dos direitos dessa gente: “Esse país tem uma dívida de mais de 500 anos conosco e não vejo a hora de a população negra, maioria nesse país, ir pra rua e reivindicar de forma conjunta nossos direitos”.
A exclamação foi feita pelo jovem de 20 anos, Aquis José dos Santos, presidente do Conselho Quilombola de Itacaré (CONQUI), entidade organizadora do evento. “Eu não posso deixar de falar, pois nosso povo ainda sofre racismo e isso precisa ser denunciado. Ainda ganhamos metade do que ganha um branco, mesmo ocupando o mesmo cargo, isso é um racismo silencioso que nos acomete e nem nós damos conta”, afirmou.
“Esse festival ocorreu com muita dificuldade, mas corremos para realizá-lo pela importância que ele representa para o povo quilombola de Itacaré e região do Baixo Sul da Bahia”, reforçou o jovem quilombola.
Os quilombolas da região protagonizaram mesmo o evento. Eloquente, a mestre de cerimônia Lavina Neta dos Santos, oriunda da comunidade quilombola João Rodrigues, deu início à solenidade de abertura do encontro: “Sejam bem vindos ao nosso universo, conheçam a nossa luta”.
“Me sinto orgulhoso das conquistas que temos hoje, por ser quilombola que sou, de hoje bater no peito e dizer: ‘Eu sou quilombola’. Cada vez mais as comunidades se organizam, se auto definem e exigem do governo a certificação e garantia dos seus direitos”, declarou parlamentar Luiz Alberto (PT/BA), presidente da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas.
O deputado federal disse ainda que o povo quilombola é vítima de “uma catástrofe política que ainda hoje deixa marcas no país”: o período da escravidão. “Mas, estamos aqui também comemorando uma série de conquistas alcançadas nos últimos 10 anos e tenho certeza que esse país vai mudar pelas mãos dessas pessoas, do povo quilombola”, afirmou.
Para José Vivaldo, diretor da Companhia de Desenvolvimento e Ação Social (CAR), parceira do evento e articuladora de ações da governança para as comunidades quilombolas na região, ver o Conselho Quilombola do município ativo, ver que ele sobreviveu ao ciclo de pessoas, lhe dá muita alegria e orgulho: “Olha para dona Otília, ela moveu-me a organizar o primeiro encontro na cabana de palha em Marambaia, passamos por muitas dificuldades, mas hoje colhemos os frutos”.
“Triste de quem tem a vaidade para achar que ar condicionado e cadeira de couro é pra sempre, tem que ir para as comunidades, botar o pé no chão e ver a realidade do povo, isso sim é fazer serviço público de qualidade”, defendeu Vivaldo.