Para a Justiça, movimentos do campo são, na maioria das vezes, réus
Os conflitos fundiários ainda carregam números alarmantes no Brasil. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, 370 foram assassinadas entre 2003 e 2012 em decorrência de conflitos fundiários rurais. Para propor soluções alternativas de mediação desses embates, a Terra de Direitos lançou dia 19, no I Seminário “Diálogos sobre Justiça”, no Ministério da Justiça, em Brasília, o estudo Casos Emblemáticos e Experiências Modelo de Mediação em Conflitos Fundiários Rurais: Análise e Proposições Normativas para uma Cultura Institucional de Soluções Alternativas de Conflitos. As temáticas do encontro abordaram a Atuação da Justiça nos conflitos fundiários urbanos e as soluções alternativas para conflitos fundiários agrários e tradicionais. A apresentação do estudo foi feita pelo coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo (foto).
O encontro contou com a presença de Flávio Crocce Caetano, Secretário de Reforma do Judiciário; Gilberto Carvalho, Ministro-chefe da Secretaria-geral da Presidência da República; Maria Augusta Assirati, presidenta da Fundação Nacional do Índio – FUNAI; Ela Wiecko Volkmer De Castilho, Subprocuradora-Geral da República; Rodrigo Rigamonte Fonseca, Coordenador da Comissão de Assuntos Fundiários do Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Gercino José da Silva Filho, Ouvidor Agrário Nacional e integrante do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA.
O estudo faz uma análise sobre os papéis políticos e sociais exercidos por instituições e agentes envolvidos com conflitos fundiários em três estados brasileiros: Paraná, Pará e Pernambuco. Foram elencados alguns casos emblemáticos de conflitos fundiários nas três regiões e, a partir disso, foi possível comparar os grupos sociais e institucionais que integram o processo jurídico e político na solução desses embates. A comparação propiciou um panorama (um quadro de envolvidos) indispensável para a compreensão da complexidade econômica, social, cultura, política e institucional dos conflitos.
A atuação de quatro órgãos do Executivo e do Judiciário foi analisada por meio de entrevista com os agentes que estão à frente deles e também de observação dos documentos que fundamentam a atuação e a existência de cada entidade. Os órgão são: Ouvidoria Agrária Nacional, do Ministério do Desenvolvimento Agrário; Vara Agrária de Marabá, do Tribunal de Justiça do Pará; Assessoria Especial para Assuntos Fundiários, do Governo do Estado do Paraná; e a Promotoria Agrária, do Ministério Público de Pernambuco.
Para o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo (foto), ainda que a publicação signifique um primeiro passo para mostrar os órgãos analisados como ferramentas de mediação dos conflitos agrários, esses mecanismos são a exceção, e não a regra do Judiciário brasileiro. “Os movimentos sociais historicamente se voltaram ao Executivo e ao Legislativo, justamente porque o Judiciário tem uma postura mais fechada. É necessária uma abertura do Judiciário para levar em conta os direitos humanos, e não só o que os juízes aprendem no meio acadêmico ou em escolas de magistratura”, aponta.
Um aspecto que ilustra a necessidade de mudança do Judiciário é o lugar que os movimentos sociais ocupam nos julgamentos: na maioria das vezes, eles são os réus, e não os proponentes. “Geralmente, os movimentos sociais são levados à Justiça pelas forças contrárias aos grupos de agricultores familiares, comunidades quilombolas e indígenas. Nesses casos, a Justiça acaba defendendo o patrimonialismo em detrimento dos direitos desses povos”, assinala.
A mediação dos conflitos fundiários, para Frigo, depende de uma mudança de postura e de cultura do Judiciário. “Audiências públicas, inspeções judiciais, diálogo com os agentes responsáveis pelas políticas públicas, tudo isso representa formas de mediação de conflito. A presença do CNJ no Seminário já abre um caminho para que o próprio poder judiciário comece a refletir sobre os pontos elencados na pesquisa”, ressalta Frigo.
No mesmo Seminário, também foi lançado o estudo Atuação da Justiça sobre Conflitos Fundiários Urbanos, realizado pelo Instituto Polis.