Lavradora de quilombo Kalunga fala sobre família
Grávida de 9 meses, prestes a dar à luz ao quinto filho, a lavradora Áurea Paulino dos Santos não pensa em parar de ter mais filhos por agora.
Para ela, ter uma família grande é essencial para garantir uma velhice tranquila. “Recurso de pobre é filho. Eu não quero ir para o asilo e se eu tiver bastante filho, um cuida, outro cuida e ninguém abusa [se cansa de cuidar]”, acredita a descendente de negros escravizados.
Áurea só tem 28 anos, mas a fala mansa e o conhecimento de ervas e raízes medicinais fazem parecer a entrevista é com uma senhora já de idade.
De uma coisa ela sabe bem: manter as tradições pode ser um jeito de dar um futuro honesto para aos filhos.
“Acho bom criar meus filhos do jeito que eu fui criada, estudando e trabalhando na roça. O governo não tem emprego para todo mundo. Se algum dos meus filhos formar e não achar um emprego, vai saber viver trabalhando na roça para não roubar depois”, diz.
Ela vive com o marido e os quatro filhos na comunidade do Engenho II, uma das muitas que fazem parte do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, o maior território remanescente quilombola do país, localizado em Goiás.
A roça em que planta milho, arroz, feijão, banana, cana e outros alimentos, se encontra à oito quilômetros da casa da família.
Os cuidados com a plantação entram na agenda dos meninos que conseguem conciliar o trabalho na roça com os estudos.
A produção segue em ritmo acelerado. A falta de estrada e de transporte impedem que a família consiga levar para a cidade o excedente. Só tem em casa o que eles conseguem carregar nos ombros ou no lombo de animais.
Áurea vai ter de parar por um tempo com a roça e com o trabalho de guia de turismo para dar à luz.
O trabalho como guia – dentro do território Kalunga há uma série de cachoeiras em que só se pode entrar com guias da comunidade– ajudava nas despesas. Como o marido dela foi contratado há pouco tempo como brigadista, a família respira aliviada.
Ela torce para que o destino da quinta filha, Bianca, seja o mesmo que espera para os outros filhos: viver na comunidade. “Aqui é um lugar tranquilo. Eu gosto de ficar aqui.
Desde que eu nasci eu nunca saí”, diz. “Aqui você pode sair, deixar os filhos em casa e ficar despreocupado. Se você quer uma banana, tem. Se quer uma mandioca, tem. O arroz e o feijão, que é o principal, a gente planta. Então eu acho bom, porque não é em todo lugar que a pessoa tem esse privilégio”, acrescentou.