Comunidades isoladas ganham título de remanescentes quilombolas no AP
O Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) de Quilombo está com matrículas abertas para o ano letivo de 2013. De acordo com o coordenador do Ceja, Rui Seraglio, estão disponíveis vagas nas modalidades: ensino médio presencial e ensino fundamental presencial.
“Qualquer aluno que já tenha cursado e concluído disciplinas na modalidade EJA, em anos anteriores, pode fazer a matrícula até o início do mês de agosto”, comenta Seraglio.
A idade mínima para frequentar o Ceja é de 15 anos para o ensino fundamental e 18 anos para o ensino médio. Seraglio explica que os alunos que já fizeram sua matrícula no Ceja e estão aguardando abertura de novas turmas devem procurar a escola para que sejam abertas novas turmas. Maiores informações no Ceja de Quilombo pelo telefone (49) 3346 4139, com Rui ou Marli. O Amapá ganhou mais três comunidades reconhecidas pelo governo federal como remanescentes quilombolas depois de uma tramitação de quase dois anos em Brasília (DF). O Diário Oficial da União (DOU) de 24 de maio de 2013 e a Fundação Cultural Palmares já publicaram a certificação de Tapereira, no município de Vitória do Jari, São José, no município de Laranjal do Jari e Conceição do Maracá, que engloba também as vilas de Mari, Joaquina, Fortaleza e Laranjal do Maracá, no município de Mazagão.
Em comum, além da descendência africana, as comunidades sofrem com o isolamento e ausência do poder público. Em algumas comunidades não há nem energia elétrica. Agora, com o reconhecimento oficial, a perspectiva é de que essa realidade comece a mudar. Tudo começou há quase dois anos, quando as comunidades formaram associações.
As entidades jurídicas são um reforço e o passaporte para que essas regiões sejam assistidas por programas e políticas federais, como é caso do Minha Casa Minha Vida Quilombola, Brasil Quilombola e Estatuto da Igualdade Racial.
"Foi um processo longo. Essas comunidades precisavam se organizar para poder o governo federal saber que elas existem. A partir dessa certificação, ficam igualadas às comunidades quilombolas ditas urbanas. O diferencial é que são lugares que vivem em extrema vulnerabilidade social", argumenta João Ataíde, chefe de gabinete da Secretaria Extraordinária de Políticas para Afrodescedentes (Seafro) e especialista em cultura e história afro-brasileira.
A Seafro monitora, há mais de dois anos, a formação de associações e a tramitação de processos de reconhecimento pela Fundação Palmares. No Amapá, são 31 comunidades catalogadas, sendo 28 esperando parecer e a titulação. Curiaú, Mel da Pedreira e Conceição do Macacoari já receberam a titulação.
O G1 mostra como vivem os habitantes das comunidades recém-certificadas:
Tapereira, um vilarejo no extremo sul
Chegar à comunidade de Tapereira requer uma verdadeira odisseia, dada a dificuldade de acesso à região: são necessárias pelo menos duas horas de viagem pela estrada que dá acesso à comunidade de Aterro do Muriacá; de lá, ainda é preciso enfrentar mais duas horas e meia de voadeira, passando por diversos outros lugarejos. Tapereira fica na divisa entre Vitória, Laranjal do Jari e Mazagão.
Benedito Flexa Tavares, 79, é o morador mais antigo da comunidade de Tapereira
Segundo relata o morador mais antigo do lugarejo, Benedito Flexa Tavares, 79, a vila é uma herança deixada pelo avô há pelo menos duzentos anos. “Meu avô era africano. Sou neto de africano. Ele veio da região do Maracá [em Mazagão]”, relata. Benedito conta ainda que o lugar foi desenvolvido pelo pai, que se chamava Alexandre Vaz Tavares. “Perdi meu pai quando ainda era garoto. De la para cá, a responsabilidade de desenvolver a vila ficou comigo”, recorda. Ali, criou os filhos, netos e bisnetos e sonha que as novas gerações tenham, as oprtunidades que nunca teve na juventude.
Em Tapereira vivem cerca de 20 famílias – aproximadamente 150 pessoas. De acordo com o líder comunitário Manoel Domingos Lopes, entre as maiores dificuldades enfrentadas pelos moradores está a falta do acesso à saúde pública (não há posto de saúde) e à comunicação. “Vivemos num grande isolamento. Nossa vila parece ter sido esquecida no tempo”, argumenta Lopes. Na região, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação de Vitória do Jari, o ensino vai até à 4ª série do ensino fundamental e o índice de analfabetismo entre os mais velhos é grande.
Perto da vila, há um campo onde os moradores encontraram peças de barro que lembram pedaços das urnas funerárias da cultura Maracá. Segundo eles, lá pode existir um sítio arqueológico. “Acreditamos que no lugar possam ter morado pessoas há muito tempo. Ninguém do Estado nunca veio conferir para tentar comprovar”, diz o morador Josué Flexa, de 33 anos.
São José: uma vila às margens do rio Jari
A comunidade de São José está localizada às margens do rio Jari e fica pertinho de um dos cartões postais mais conhecidos da região sul do Amapá: a Cachoeira de Santo Antônio.
Benedito Ferreira Dutra, 57, diz que a vida na região de São José é de dificuldades (Foto: Graziela Miranda/G1)Benedito Ferreira Dutra, 57, diz que a vida na
região de São José é de dificuldades
Fundada há mais de 60 anos, é outro lugar que parece ter parado no tempo. O local foi impactado pela construção de uma barragem na região. Ali, vivem cerca de 13 famílias, sem acesso a cuidados básicos de saúde e com baixo índice de educação – a maior escolaridade registrada foi a 8ª série do Ensino Fundamental.
Um dos moradores mais antigos da região, Benedito Ferreira Dutra, 57, diz que a vida na região é de dificuldades. “Temos que ir a Laranjal de barco para fazer feira. Aqui, vivemos de pesca e agricultura. São dias difíceis”, relata. Na casa de seu Benedito, vivem ele, a mulher, seis filhos e netos.
Conceição do Maracá e o território quilombola
A vila de Conceição do Igarapé do Lago do Maracá, que engloba também as vilas de Mari, Joaquina, Fortaleza e Laranjal do Maracá integram o primeiro Território Quilombola do Amapá. Esses vilarejos ficam na isolada região do Maracá, no município de Mazagão. Conceição é um vilarejo situado em um ramal de cerca de 14 quilômetros, na altura do Km 150 do eixo Sul da BR-156 (Macapá-Laranjal do Jari). De carro, é possível ir apenas até a esse ponto da região do Maracá.
"Esperamos que, com esse reconhecimento, União, Estado e Município comecem a olhar e fazer alguma coisa para melhorar a vida em nossas comunidades", discursa dona Maria Divina de Jesus, de 81 anos, umas das moradoras mais antigas de Conceição do Igarapé do Lago do Maracá.
Aos 59 anos de idade, seu Anastácio Trindade de Sousa é uma espécie de liderança comunitária do lugar. Ele relata que, hoje, a região precisa começar a sair do isolamento, mas ainda há muito a se fazer para que isso aconteça. "O Poder Público tem pouca presença aqui. Nossa esperança é que nosso lugar se desenvolva, para que nossos filhos não precisem mais sair daqui e tentar dias melhores na cidade", afirma.
Moradores de Conceição do Maracá utilizam energia solar
Em Conceição do Igarapé do Lago do Maracá, energia elétrica somente com um pequeno gerador, que funciona das 18h30 às 22h30. O grande sonho é a energia 24 horas chegando para os moradores. "Dá para assistir ao jornal e à novela das nove", brinca dona Divaneide Trindade, sobre a energia com hora contada.
A renda tem como base os programas sociais do governo, mas a agricultura e a pesca começam a se desenvolver, mesmo que de maneira bastante tímida. Na cultura, o ponto forte é a celebração da festa de Nossa Senhora da Conceição, em dezembro – com a realização de folias, como acontece em outras comunidades de Mazagão.
Moradores da comunidade de Mari, em Mazagão ainda vivem como na metade do século passado (Foto: Gabriel Penha/G1)Moradores da comunidade de Mari, em Mazagão
ainda vivem como na metade do século passado
Mari: desafio é desenvolver a educação
Saindo de Conceição, é necessário pegar uma embarcação a motor e seguir para a pequena comunidade de Mari. O percurso fluvial pelo Rio Maracá dura cerca de uma hora, mas não se trata de uma navegação tranquila: é preciso enfrentar a obstrução dos igarapés pelos juncos, que formam obstáculos naturais que à noite representam grande perigo.
Em Mari vivem cerca de 30 famílias, uma média de 100 pessoas, divididas em pequenas casas às margens do rio. Na economia, o destaque é para o extrativismo da castanha-do-brasil.
Joaquina e Fortaleza: nem a energia chegou
Uma hora e meia de viagem de barco rabeta para chegar até a pequena comunidade de Joaquina, onde vive uma média de 15 famílias – cerca de 70 pessoas. Numa pequena capela, o culto a São Thomé, padroeiro celebrado e festejado na região.
Em Joaquina, o isolamento e falta de infraestrutura são ainda maiores. Nem motor de energia existe. A alimentação é à base da caça e da pesca e os moradores ganham um pouquinho de dinheiro com a ainda tímida produção de farinha de mandioca e coleta de castanhas e produtos naturais.
Do outro lado do Rio Maracá, a comunidade de Fortaleza, onde encontramos o morador Antônio Viana, de 49 anos, conhecido como "Cachimbo". Numa casa ribeirinha, vivem apenas ele e a mãe, dona Luiza Gonzaga Alvina, de 88 anos. Experiente mateiro, Antônio nos mostra uma pequena trilha. "Aqui, quando criança, achávamos vários objetos antigos, não sabíamos o que era", conta.
Laranjal do Maracá: uma vila à margem da BR
A comunidade de Laranjal do Maracá, está situada às margens do eixo Sul da BR-156, na altura do Km 180. Na localidade vivem cerca de 40 famílias, em casas espalhadas ao longo do entorno da estrada.
A energia elétrica também é o grande gargalo desses moradores, que vivem basicamente da agricultura e do extrativismo. Na religião, a santa cultuada é Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. A educação é oferecida em nível fundamental, em duas escolas, uma estadual e outra do município.