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Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos mobiliza público interessado em cultura

O padre Mauro Luiz da Silva já estava há dois anos na Paróquia Santíssima Trindade, no Gutierrez e, até então, nunca tinha entrado na favela que divide o espaço com a parte mais abastada do bairro de classe média da região Centro-Sul de Belo Horizonte. Quando visitou, saiu de lá fascinado e com uma ideia: tinha que fazer algo por aquelas pessoas. “Tomei a decisão de que, dali em diante, não passaria um dia sem estar envolvido com a questão social”, lembra. O tempo passou, ele se tornou, em 2000, pároco do Aglomerado Santa Lúcia e as circunstâncias o levaram à Itália, onde cursou história da arte e preservação do patrimônio cultural. Em outubro do ano passado, quando voltou, resolveu colocar em prática as teorias estudadas, com a criação do Muquifu – Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos.

Instalado num pequeno prédio de dois andares no Beco Santa Inês, 30, na Barragem Santa Lúcia, o espaço nasceu tímido, mas, em pouco tempo, revelou a força. “A ideia é dizer que quase tudo aqui é para ser preservado. Muquifu é um museu territorial, com várias ações espalhadas”, explica. A força do espaço recém-inaugurado pode ser comprovada numa rápida visita. Com pouco, fazem muito. No antigo centro comunitátrio, onde está instalada a instituição, existe um salão, uma galeria de arte, um espaço para uma instalação artística, uma biblioteca e um espaço administrativo. A proposta, que já conta com projeto assinado pelo arquiteto Sylvio de Podestá, é bem mais ambiciosa. O especialista propõe espaço que não contrasta com a realidade do entorno, mas dialoga e potencializa as ações do Muquifu. Falta, agora, dinheiro para colocá-lo em prática.

Até a nova sede sair do papel, o Muquifu mostra as potencialidades na comunidade com o que tem à disposição: criatividade, rico patrimônio imaterial das comunidades no entorno e disposição de dezenas de voluntários, vários deles constituídos por estudiosos. Com este poder de articulação, a instituição já editou dois folders com informações da Vila São Bento e da Comunidade Nossa Senhora da Esperança, uma revista em quadrinhos, a 'Planeta herói', feita por um garoto da região, e promoveu, segundo padre Mauro, uma das maiores programações da recente Semana Nacional dos Museus.

Em maio, foram sete dias de atividades, entre exposições, mesas-redondas, fórum para discutir a realidade das vilas e favelas e cortejos artísticos. As peças gráficas dão o tom ambicioso da proposta: a reprodução da 'Monalisa', de Leonardo da Vinci à frente de uma panorâmica da favela e, logo abaixo a frase: “Favela é arte”.

"Fui olhar a Barragem Santa Lúcia no dia em que cheguei. Ali comecei a buscar respostas para aquele emaranhado. À medida que entrei, as respostas vieram%u201D – Padre Mauro Luiz da Silva
Cenário de mudanças Apesar do pouco acervo físico à disposição, a visita ao Muquifu compensa. Logo na entrada, depois de uma rampa com fotos alusivas aos trabalhos desenvolvidos pela instituição, há uma pequena sala com uma das primeiras experiências de ocupação artística: a exposição 'Doméstica, da escravidão à extinção – Uma antropologia do quartinho de empregada no Brasil'. Com curadoria do próprio padre Mauro e realização da Comissão Permanente do Quilombo, a mostra traz o fundamental. Fotos das realidades vivenciadas pelas domésticas, vídeos temáticos e textos em tom político de desabafo sobre a realidade das favelas na capital. “A intenção é mostrar mais de 30 anos de mudanças intensas, físicas, sociais e econômicas. Ameaçadas pelo fantasma da remoção, as favelas persistem, se adaptam, com toda multiplicidade, riqueza e diversidade”, diz o relato.

Outra curiosidade que merece destaque é a instalação 'Quartinho de empregada'. Projetada por Sylvio de Podestá, no espaço foi reproduzido em dimensões reais um pequeno quarto, onde as próprias domésticas escreveram relatos, sínteses de vidas entre o sofrimento, a humilhação e a superação. O museu se completa com a exposição 'Favela é isso aí', fruto de um projeto que, há anos, vem sendo desenvolvido pela pesquisadora Clarice Libânio nas vilas e favelas de BH.

A intenção das ações, de acordo com os organizadores, é “expor a sociedade à existência de uma lacuna – o histórico negligenciamento da presença e participação de negros, favelados, mulheres, indígenas e tantos outros na construção de nossas cidades. Elas nos provocam a pensar questões fundamentais em nossos dias: é possível considerar uma função social da memória nas lutas cotidianas por mudança social?”.

O pouco tempo de vida do Muquifu já comprova que sim. Recentemente, a instituição realizou o primeiro concurso fotográfico na comunidade. A proposta era que as pessoas pudessem exercitar a linguagem com registros da realidade da região. A foto que ganhou o primeiro lugar foi feita pelo jovem Horácius de Jesus, de 28 anos. Exibe uma panorâmica do Morro das Pedras, onde ele mora, entre o fim da tarde e o início da noite. Realizou a imagem com tempo de exposição mais estendido, o que fez com que as luzes estourassem, revelando uma cena de rara beleza da arquitetura caótica da periferia.

“Amamos a ideia de ser protagonistas dessa visão de que nosso patrimônio seja cuidado com zelo. Até hoje não me reconheci em nenhum museu que passei. Nada melhor do que nós nos tornarmos protagonistas de nossa própria caminhada. Não encontro minha história em outro lugar”, diz Horácius. Todo o esforço do Muquifu tem sido feito para reverter esse quadro.

SAIBA MAIS

Barragem Santa Lúcia

A Barragem Santa Lúcia é formada por cinco comunidades: a que dá nome ao lugar,  o Morro do Papagaio e as vilas Estrela, Esperança e São Bento. Fica na Região Centro-Sul da capital e as estatísticas divergem em relação ao número de habitantes. “De 12 mil a 35 mil pessoas”, arrisca padre Mauro. Segundo ele, a região já foi mais tranquila. “Nos últimos meses, a violência, sobretudo em relação aos furtos, aumentou”, lamenta.

Muquifu – Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos
Exposições, biblioteca e debates. Beco Santa Inês, 30, Barragem Santa Lúcia, no Morro do Papagaio. As atividades são gratuitas. Informações: (31) 3296-6690.

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