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Gerações vêm assistindo o país passar ao largo

Na comunidade quilombola do Curiaú em Macapá, Bráulio Silva tem acompanhado com atenção as discussões sobre revalidação de diplomas de Medicina, discussão que põe em lados opostos os Conselhos Regionais de Medicina e o Governo Federal. Entre essa discussão, um dado concreto. Médicos urbanos não querem trabalhar em municípios pequenos. Formado em Cuba, Bráulio Silva quer atuar junto à própria comunidade, mas está impedido até agora.

“O Conselho Federal de Medicina diz que não temos capacidade para exercer a função e não tem deixado brecha para isso”, diz Bráulio.

Na queda de braço, um dado é significativo. Uma pesquisa de 2011 realizada pelo Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) indica que na Amazônia Legal existe 1,86 médico para cada mil habitantes, quando a média é de três médicos.Desde 2004, estão sendo enviados quilombolas do Brasil para estudar Medicina em Cuba. A ida a cuba foi possível por intermédio da Coordenação Nacional das Entidades Negras do Brasil (CONMEN) sediada no Estado da Bahia.

“Durante o curso, que teve a duração de seis anos, foram ricas as experiências e intercâmbio com pessoas de vários países da América Latina. O curso possui varias características peculiares, onde uma das mais importantes é o contato com os pacientes já no terceiro ano para que possamos ter uma grande consciência de como funciona a relação médico–paciente, fundamental para o desenvolvimento da prática médica. A outra parte de grande importância é que se trabalha principalmente com o programa do médico da família, onde se mostra que a saúde preventiva é a melhor para todos os paramentos”, diz o quilombola.

Bráulio Silva sempre estudou em escolas públicas. Na comunidade de Curiaú, que possui menos de 900 moradores, é um dos poucos a ter conseguido um diploma de nível superior. A luta agora é para provar que é capaz de exercer a profissão que escolheu.

RESISTÊNCIA

Se a questão do macapaense Bráulio Silva envolve outros fatores além da própria dificuldade de acesso ao ensino superior, a realidade vivenciada pela inclusão da população negra no ensino superior ainda é alvo de discussões inflamadas. Mesmo com dados e índices apontando a discrepância entre brancos e negros na sociedade brasileira, o discurso de meritocracia ainda se faz ouvir. Mas encontra resistência.

“Todas as políticas afirmativas são bem vindas e necessárias”, diz a professora da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Ana D’arc Martins de Azevedo, pesquisadora da identidade social de comunidades quilombolas. “Essas comunidades estão longe ainda das oportunidades de acesso educacional”, diz.

Dados do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil, feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) confirmam a afirmação da professora da Uepa. O relatório desnuda as diferenças entre brancos e negros no Brasil. A porcentagem de homens negros com curso superior completo em 2000, por exemplo, era menor do que a de homens brancos em 1960. Outro dado: a renda per capita dos brancos de 1980 era o dobro da dos negros em 2000. Em 2000 a taxa de analfabetismo dos negros era maior que a dos brancos em 1980.

“No campo ideológico é preciso enfatizar esse preconceito que invisibiliza os negros. É um racismo camuflado e a formação educacional é um caminho para desmistificar as coisas”, diz Ana D’arc.Os 48 calouros quilombolas que a Universidade Federal do Pará passou a receber este ano são um passo decisivo nesse sentido. Podem fazer história. Ser referência futura. “A universidade está pronta para nos receber?”, pergunta o agora estudante de Direito Raimundo Magno Nascimento. A UFPA aposta que sim. A porta foi aberta.

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