Juiz manda Incra tirar fazenda da Picadinha de estudo quilombola
O juiz federal Francisco Neves da Cunha, da 22ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal (DF), mandou o presidente do Instituto Nacional de de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes, retirar do processo de demarcação de área quilombola no Distrito da Picadinha, em Dourados, uma área de 3.538,6215 hectares pertencente a Alcides Pereira Cortez.
“A decisão faz parte da ação cível número 0059544-16.2012.4.01.3400 impetrada pelo produtor rural contra ato do presidente do Incra e deve refletir sobre os demais processos que contestam a existência de área quilombola em Dourados”, explica o advogado Cícero Costa, que representa o produtor na ação.
Na ação, o advogado contesta o ato administrativo que teria conferido às terras da Picadinha a qualidade de “ocupadas por descendentes de escravos”, ou seja, o ato declaratório, que deveria ser consequente de um amplo estudo tornou-se a causa da identificação das terras como quilombolas.
Em sua defesa, o presidente do Incra alegou que o ato administrativo assegurava “um direito associado à identidade étnica do grupo, posto que a terra que vem sendo ocupada pelo grupo, bem como a terra que deveria estar sendo ocupada pelo grupo, é o elo que mantém a união do grupo e que permite a sua continuidade no tempo, através das gerações, possibilitando a preservação da cultura, dos valores e do modo peculiar de vida da comunidade.”
Qual é a questão?
Para o juiz federal Francisco Neves da Cunha o cerne da questão posta nos autos é o reconhecimento do caráter de Comunidade Remanescente Quilombola às terras cujo perímetro se consubstanciaria na Fazenda Alvorada, de propriedade de Alcides Pereira Cortez, dado em processo administrativo para regularização fundiária.
“Sustenta a autoridade impetrada ser necessária a desapropriação das áreas inseridas no perímetro do território que o impetrante pretende demonstrar ser de sua propriedade para que haja comprovação do domínio”, relata o juiz. “O que pretende o impetrante é afastar a desapropriação porque não materializada uma das condições impostas pelo texto do art. 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988”, conclui.
O magistrado lembra que o Art. 68 da CF/88 garante que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida sua propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
“Todavia, a ocupação das terras pelas comunidades afrodescendentes é uma circunstância essencial, que deve remontar à data da promulgação da Carta Política da República, ou seja: ao dia 5 de outubro de 1988”, ressalta o juiz. “É dizer que o processo de desapropriação somente deve ser instaurado se demonstrada a ocupação das terras pela comunidade de remanescentes quilombolas já em 5 de outubro de 1988”, enfatiza.
Terra de fato e não no papel
Para o juiz federal Francisco Neves da Cunha é fundamental observar que terras quilombolas se caracterizam por essa situação de fato, não pela edição do procedimento demarcatório, que não tem caráter constitutivo. “Neste sentido, já teve ocasião de decidir a colenda Quinta Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em veredito razoavelmente recente, na Relatoria da eminente Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida”, ressalta o magistrado.
Na sentença, o juiz lembra ainda que a a Constituição Federal de 1998 assegurou aos remanescentes de quilombos o direito de ver reconhecida a propriedade das terras que ocupavam na data da promulgação da Carta Política.
“O relevo do fundamento da impetração, imprescindível à concessão liminar, em sede de mandado de segurança, plasma-se, no caso dos autos, na circunstância de não estar demonstrada a ocupação das terras cuja propriedade o impetrante reivindica por populações constituintes de comunidades remanescentes dos quilombos, pressuposto para a instauração do processo de expropriação”, argumenta.