Militantes desocupam prédio da AGU e quilombolas explicam protesto
Os integrantes de movimentos sociais, como os quilombolas da comunidade Rio dos Macacos, desocuparam o prédio da Advocacia Geral da União (AGU), na Avenida Paralela, em Salvador, por volta das 19h desta quarta-feira (6). O protesto aconteceu desde as 7h e reuniu pelo menos 400 pessoas, informou a líder comunitária Rosimeire Santos. Também participaram da ação representantes do Movimento Sem-Terra e pescadores, entre outros grupos.
Em nota, a comunidade quilombola explicou que o protesto tinha por objetivo denunciar o pedido de despejo dos moradores, feito pela Marinha do Brasil e já concedido pela Justiça. Além disso, informaram que os manifestantes esperaram até o fim da tarde para uma reunião com o órgão, conforme prometido, mas sem sucesso.
"O Chefe da AGU conseguiu se retirar e ficou a uma certa distância do portão, fazendo filmagens e ridicularizando os manifestantes. Neste sentido, mais uma vez a AGU se posiciona de forma autoritária e vexatória. Recusando-se em receber os quilombolas e demonstrando o seu completo desrespeito a comunidade negra".
A Polícia Federal foi acionada pela AGU para dar segurança à saída dos funcionários, o que motivou também a retirada do grupo. "Decidimos por nos retirar da AGU, mantendo uma agenda de mobilização e reuniões de negociação para os próximos dias, que visam dialogar com as autoridades competentes no sentido de assegurar a permanência da comunidade em seu território e a suspensão do processo que visa despejar a comunidade", informou, em nota.
O Quilombo Rio dos Macacos fica em um território na cidade de Simões Filho, cidade na região metropolitana de Salvador, controlado pela Marinha do Brasil. Rosimeire Santos, que é líder da comunidade, informou que os manifestantes querem uma reunião com o governador Jaques Wagner e com a presidenta Dilma Rousseff para falar sobre os problemas que atingem as comunidades.
Através da assessoria em Brasília, a Advocacia Geral da União informou que "os dirigentes da AGU na Bahia já se colocaram à disposição para conversar com os representantes do movimento e aguardam posicionamento da comunidade". De acordo com a assessoria da Polícia Militar, uma guarnição esteve no local, mas deixou a área após a chegada da Polícia Federal, que acompanha o movimento por se tratar de área da União.
Rio dos Macacos
A Marinha pede na Justiça a retomada da área, que tem cerca de 300 mil hectares. Em outubro de 2012, a Justiça Federal decidiu pela desocupação do território, que abriga quase 50 famílias, mas a Defensoria Pública da União entrou com recurso contra o despejo.
A quilombola Rosimeire Santos contou casos de violência vividos por parentes no mês de dezembro. De acordo com ela, no dia 31 de dezembro, durante a virada do ano, uma criança de seis anos percebeu homens armados escondidos atrás de sua casa. "Ela está fora de si", contou. "Eles ainda atiraram contra os meus irmãos também em dezembro, graças a Deus não pegou [os tiros]. Eles têm coragem de tirar foto da gente, se vamos para um bairro próximo, somos seguidos por um carro prata ou vermelho. A saída e a entrada da comunidade agora têm camêra e portão. A gente vive uma verdadeira senzala, mas enquanto tiver gente viva, a gente vai lutar", complementou.
São três processos judiciais em andamento, cada um com dez réus, todos com o mesmo teor, que é a reintegração de posse da área.
Posição da Marinha
Em comunicado enviado no dia 4 de janeiro, a assessoria de comunicação do Comando do 2° Distrito Naval informou que tem sofrido uma "campanha difamatória por parte dos ocupantes irregulares" como estratégia para "sensibilizar" a opinião pública.
"A estratégia adotada tem sido propalar acusações levianas contra a MB, com o único intento de vitimizar os autintitulados quilombolas, de forma a desviar o foco do assunto e impedir qualquer discussão racional e jurídica, sob o fraco argumento de comportamento arbitrário dos militares", complementou a nota.
O Comando argumenta que todas as denúncias de violência feitas pelos moradores são "vagas e imprecisas, não trazendo dados concretos que permitam aferir a materialidade ou autoria da suposta ilegalidade, tampouco apontam as provas das alegadas arbitrariedades".
Ressalta que a Marinha apura as denúncias abertas por meio do Inquérito Policial Militar (IPM). "Vale repisar que o tratamento dispensado aos moradores sempre foi respeitoso e humano, importando destacar que, no presente caso, a Marinha tem trabalhado, em cooperação com as autoridades do Governo Federal, para encontrar uma solução pacífica para a questão, tendo em vista que a missão constitucional da MB está relacionada com a defesa do povo brasileiro, razão pela qual esta Força repudia qualquer ato de violência", destacou o Comando.
Proposta da União
"O Brasil não vai abrir mão da Base Naval de Aratu", garantiu, em agosto de 2012, o assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoino, a respeito do território do quilombo. Ele explicou que o terreno é fundamental para o sistema nacional de proteção do Atlântico. Por conta disso, a União fez a proposta de transferir as famílias para um território distante cerca de 500 metros da área atual. No novo local, a ideia é construir novas casas, sob supervisão da população remanescente de escravos, e uma entrada autônoma – hoje a portaria é a mesma usada pelos oficiais órgão militar.
Área quilombola
O relatório técnico finalizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em agosto de 2012 comprovou que o território do Rio dos Macacos é um quilombo de remanescentes de escravos.
Repressão
As denúncias de repressão aos residentes do quilombo são foco de ação do Ministério Público Federal (MPF-BA). A Procuradoria direcionou recomendação ao Comando do 2º Distrito Naval da Marinha, com o intuito de coibir "constrangimento físico e moral" à população do local. A procudoria solicitou que o órgão militar "exerça o controle e a fiscalização efetiva dos atos praticados por oficiais subordinados" e que repreenda qualquer tipo de "prática arbitrária ou agressiva" com medidas disciplinares. A Defensoria Pública do Estado afirma que 46 famílias residem atualmente no local, ocupado há pelo menos 150 anos.