24 de novembro de 2012
Quilombola faz festa da Consciência Negra
Quixadá Quando foi reconhecida como remanescente dos quilombolas, em dezembro de 2009, a comunidade do Sítio Veiga não imaginava estar começando a conquistar sua verdadeira redenção, socioeconômica. A maioria dos herdeiros das 39 famílias com antecedentes afros residentes naquela localidade rural nasceu ali mesmo, na Serra do Estevão, a cerca de 25km do Centro de Quixadá. Desde então, após a certificação pública, feita pelo Ministério da Cultura (MinC), eles tem fortalecido a cultura de suas raízes, resgatando a tradição e o costume de seu povo. E mais uma vez, na semana de comemoração da Consciência Negra, o vilarejo se mobilizou realizando um extenso calendário de atividades.
A abertura da III Semana da Consciência Negra ocorreu na última semana, com o ajuntamento de panelas e um jantar comunitário lembrando os 102 anos de "Mãe Luzia", quilombola matriarca da família Eugênio, repetindo já um ritual tradicional da comunidade.
Nos dias seguintes, houve momento dedicado à melhor idade, palestra sobre Estatuto da Igualdade Racial com o projeto "A força da mulher", com a participação do defensor público de Quixadá, Júlio César Matias, desfile da diversidade da beleza quilombola e danças culturais da comunidade.
"No encerramento das festividades está programada hoje a dança de São Gonçalo, um ritual tradicional realizado há mais de século", explicou o líder e presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombola do Sítio Veiga, Antonio Lopes de Sousa, conhecido pelo apelido de "Tonho Vicença".
"Quixadá Obatalá, Oxalá, Xangô, Exu, Oxum, Iemanjá, Odé, Omolum, Ibejim e Ogum. O negro canta, quebra as correntes da opressão. É Mariama, é Benedita, renovação". Nesta época do ano ecoa o refrão de liberdade do povo negro.
Luta
A luta na comunidade do Sítio Veiga se transforma em festa. E a cada ano aumenta o número de participantes. Desta vez, até as crianças, principalmente os meninos, fizeram questão de se envolver nos folguedos.
Apreenderam os passos de terreiro com seus pares. Para Tonho essa transformações podem ser expressadas numa frase do bispo católico dom Pedro Casaldáliga: "Cortaram nossos troncos, mas nunca conseguirão arrancar nossas raízes".
Dedicação
Orgulhoso, o líder comunitário destaca sua comunidade como sendo a única do Ceará a dedicar uma semana inteira aos festejos afros na época onde o negro é lembrado em todo o País.
Mais uma vez, a sexta geração de descentes das famílias Eugênio e Roseno, fugidas no início do século XX, mais precisamente 1903, dos quilombos de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, exaltaram suas raízes.
Era a resposta para anos de preconceito por serem herdeiros de negros escravos. O processo de resgate da autoestima foi demorado, mas agora a realidade é outra. Ninguém esconde mais a herança racial.
Para as lideranças atuais, é fato que antes, tinham vergonha. Hoje, além de reaprenderem as danças e os toques do atabaque batem no peito: "sou nego do Veiga, sim senhor!" .
Uma das mais entusiasmadas com o reconhecimento da descendência afro, Ana Maria Eugênio, participa da organização da semana especial juntamente com a ala feminina. Ela lembra passo a passo o início dessa luta, transformada em festa nestes últimos três anos.
Em 2005, o Sítio Veiga recebeu a visita do Projeto Dom Helder Câmara, para implantação de programas de sustentabilidade. Havia problema. Não tinham escritura pública e faltavam terras para ser divididas.
Demarcações
As famílias tinham apenas 29 hectares. Havia necessidade de desapropriação da área onde residem, pagando renda pela ocupação. Segundo relatos, o Incra fez a demarcação e abriu o processo de titulação das terras ocupadas pela comunidade, conforme decreto federal de novembro de 2003. Agora, aguardam o título definitivo.
Nesse momento, já podem receber benefícios públicos. Um deles é o Garantia Safra. Mas a conquista mais recente foi a fábrica de confecções comunitária. Através do Projeto Zumbi dos Palmares, do Governo do Estado, estão recebendo máquinas de costura e material para produção de roupas femininas.
Em breve a mini-indústria estará funcionando. Os quilombolas optaram pela moda íntima após observarem as atuais tendências de mercado.
As marcas da escravidão no trabalho estão se apagando. Afinal, se foram explorados no passado, agora poderão lucrar, acrescenta Tonho Vicença, destacando uma frase da estudante quilombola Larissa Rodrigues "A luta nunca acaba, ela se renova a partir de cada conquista".
Mesmo assim, a comunidade ainda aguarda ansiosa pelos títulos de terra. A estudante Larissa Rodrigues é uma delas. Ela está no 1º Ano de Técnica Agropecuária. Todo mês passa 12 dias na Escola Agrícola Dom Fragoso, no município de Independência. Apesar da distância de casa, cerca de 260Km, na escola de alternância, a força de vontade de ajudar seu povo é maior.
Com as mais recentes conquistas e o resgate da herança cultural, cada vez mais fortalecida, ela pretende também se formar em Agronomia, mas não vai abandonar o Veiga, garante. Após descobrir a fundamental importância do povo negro na história do Brasil, percebeu ter sangue guerreiro. "Mas é guerra de paz, dessas da gente comemorar dançado e exaltando nossas raízes", acrescentou.
Mais informações:
Comunidade do Sítio Veiga
cerca de 25 Km do Centro – Serra do Estevão
Quixadá
Telefone: (88) 9275.0370
ALEX PIMENTEL
COLABORADOR