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Brejão dos Negros: cercas cortadas mantêm conflitos

Divergências na região minguam, mas ainda há tensões

Ricardo Gomes

Em uma plantação de arroz do povoado Resina, à beira do rio São Francisco, pedaços de tecido presos em talos de madeira fazem às vezes de espantalhos para afugentar os pássaros que ameaçam a lavoura. O artifício pode até funcionar contra as aves – mas é ineficaz para impedir que outros animais entrem no lugar e destruam o trabalho dos agricultores. Para isso, serviriam as cercas.
 
Lá, entretanto, elas não têm conseguido servir de barreira para todos os problemas. Já foram danificadas em dois momentos: numa derrubada feita por fazendeiros em meados de 2011 e, mais recentemente, em uma série de investidas que terminaram no corte de mais de 1.500 metros de arame.
Com o caminho livre, o gado acaba entrando nos espaços cultivados. E evidencia, mais uma vez, o clima de tensão no local: o povoado faz parte de uma região prestes a ser considerada como remanescente da área quilombola Brejão dos Negros, o que gerou atritos entre solicitantes, posseiros, fazendeiros e população em geral.
 
Resoluções
 
“A gente está plantando, o governo vem e faz uma cerca. Mas daí cortam e o animal entra”, lamentou Eneias Rosa, 27 anos, morador do local. Cerca de 40 famílias constituem o povoado Resina, que se situa em uma área de propriedade da União. “Meteram o alicate já com a lagoa plantada. Tocaram na faixa de 70 a 80 cabeças", informou outro rizicultor, Pedro Procedônio.
 
Como se não bastasse a dificuldade em manter a lavoura aberta, os residentes receberam ainda a recomendação de não deixar o gado alheio morrer – ou seja, precisam dar água e alimento aos bichos. A polícia orientou que eles fossem presos e mantidos dentro da comunidade, sendo liberados apenas com autorização da delegacia. De acordo com os agricultores, entretanto, o ambiente de conflito torna o procedimento de entrega difícil de cumprir.
 
A construção da cerca foi uma determinação Justiça Federal, tendo em vista a redução de tumultos durante a demarcação das terras. Depois do primeiro incidente, organizou-se uma reunião – que contou até com a presença de representantes da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo. Na ocasião, foi solicitado o reforço do policiamento, a reconstrução da cerca destruída e a retirada de quatro posseiros presentes na fazenda Batateira, desapropriação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que também faz parte de Brejão dos Negros.
 
Em resposta aos novos ataques, ocorridos entre dezembro e janeiro, o INCRA fez vistoria em Resina ainda no mês passado, durante visita à Batateira para a produção de um relatório sobre a questão dos posseiros. Segundo Leonardo Góes, superintendente substituto da autarquia em Sergipe, a Justiça Federal será informada sobre o assunto.
 
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o corte dos arames ainda está sendo registrado em procedimento. Existem, atualmente, três inquéritos sobre quatro danos e ameaças diferentes à população que pleiteia o reconhecimento quilombola. Seis pessoas já foram indiciadas; além disso, algumas pessoas foram afastadas da comunidade para que a segurança dos moradores fosse mantida. Nenhum caso retornou ao MPF para que fosse realizada denúncia criminal.
 
Demarcação
 
O processo de demarcação das áreas quilombolas em Brejo Grande ainda não foi concluído. O INCRA, no entanto, prevê que o término do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que inclui estudo antropológico, seja finalizado ainda no primeiro semestre de 2012. “A comunidade está bastante ansiosa, mas é um relatório que tem que ser feito com bastante cuidado”, afirmou Leonardo Góes.
 
Para alguns representantes do movimento quilombola local, o avanço no reconhecimento da área ajuda a apaziguar algumas tensões existentes entre os próprios habitantes dos povoados. O caminho até aí, entretanto, foi longo.
 
A partir do momento em que um grupo começou a manifestar interesse pela identificação quilombola – com apoio do padre Isaías Nascimento, hoje afastado da paróquia –, surgiram focos de rejeição que cresceram com a ação de grupos que se identificam como proprietários de terras. “Eles diziam que as pessoas iam perder as casas, iam voltar a ser escravos”, relatou Maria Izaltina Santos, presidente da Associação Santa Cruz, entidade ligada a Brejão dos Negros. As divergências chegaram a momentos de grande tensão, como quando um grupo desfavorável ao quilombo invadiu uma missa de Isaías aos gritos de “fora, padre”.
 
“Em um determinado momento, eles começaram a perder terreno. As pessoas costumam acreditar quando veem acontecer”, avaliou o professor Gilvan Pereira, também envolvido no movimento pela demarcação. Segundo ele, no pior momento, apenas 20 famílias sustentavam o pleito. Hoje, são cerca de 300.
 
Para ajudar a reverter a situação, foram realizados diversos trabalhos em Brejão – cursos, capacitações, ações de resgate cultural. “Houve, principalmente no começo do conflito, uma tentativa de divisão entre eles, muito própria do momento de afirmação de identidade cultural”, comentou a procuradora do MPF Lívia Nascimento, acrescentando que a alguns dos residentes foram oferecidas casas em outro povoado de Brejo Grande, o Saramém.
 
“Mas eu acho que isso está muito superado. Mesmo aqueles que foram para o Saramém hoje já têm uma visão maior de integração com a comunidade”, informou Nascimento. Para ela, entretanto, isso não significa que as ações de resgate devam parar. “Sem dúvida nenhuma, tendo em vista a grande pressão que é feita pelos grupos econômicos e políticos da região, é um trabalho que deve ser permanentemente realizado”, disse.

<O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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