• (21) 3042-6445
  • comunica@koinonia.org.br
  • Rua Santo Amaro, 129 - RJ

Quilombolas usam dialeto para falar mal dos outros em Salto de Pirapora

A cupópia é uma espécie de língua secreta utilizada pela comunidade. Recurso é usado principalmente na presença de pessoas estranhas.

Você se aproxima de dois quilombolas e palavras à prova de tradução lhe rodeiam, saídas das bocas dos descendentes de escravos do Cafundó, comunidade quilombola situada em Salto de Pirapora, interior de São Paulo. Trata-se da cupópia, um dialeto africano utilizado para comentar coisas que os visitantes não podem saber.
 
Regina Aparecida Pereira, coordenadora da comunidade, afirma que a língua oferece a comodidade de uma conversa privada, sem que os quilombolas precisem sair de perto dos visitantes. Normalmente é para falarmos mal de algo. Nada pejorativo, mas sim sobre suas intenções. É claro que às vezes comentamos que determinada pessoa é esquisita ou algo assim", brinca a quilombola.
 
Não há professores da cupópia. O aprendizado ocorre no dia-a-dia e depende, fundamentalmente, da força de vontade de quem quer conhecer a língua. "É uma língua que tem um som muito diferente, mas quando se aprende algumas palavras, dá para avançar", afirma Regina.
 
Atualmente cerca de 10 pessoas conhecem o dialeto no Cafundó, onde vivem 24 famílias. Na década de 1970, eram pelo menos 40 pessoas que dominavam o dialeto. Regina afirma que por só ser usada em situações especificas, a cupópia acabou deixando de atrair as novas gerações. O uso secreto de dialetos africanos era usado pelos escravos para tramar planos contra os escravagistas no Brasil Colônia.
 
O alcance da cupópia

Em 1878 o dono de uma propriedade rural de Sarapuí, a Fazenda Caxambu, que fica na região de Salto de Pirapora, morreu sem deixar descendentes. A propriedade foi herdada por escravos. Na mesma época, formava-se o Cafundó, uma comunidade quilombola integrada por escravos já libertos. Com o casamento de Caetano Manuel de Oliveira, habitante de Caxambu, com Ifigênia, que vivia no Cafundó, o intecâmbio cultural difundiu a cupópia.
 
Regina explica que palavras como tata (pai) e cumbe (sol) são conhecidas por quase todos os moradores do Cafundó em razão da repetição, porém ela acredita que se não houver um trabalho de resgate da cultura popular do Cafundó, a cupópia está fadada à extinção. "Não podemos forçar um jovem a aprender uma língua. Isso tem que partir deles. Acredito que é uma parte importante de nossa cultura que precisa ser perpetuada."
 
Artesanato resiste

Apesar de muitos aspectos da cultura do Cafundó estarem se perdendo com o tempo, o artesanato típico resiste. Existe até uma lojinha para os turistas, que nunca saem de mãos vazias nas visitas aos quilombolas. Como matéria-prima para as estátuas, quadros e enfeites são usadas cascas de milho, palha, folhas de bananeira, entre outras. Também há tapeçaria, feita em teares de madeira.
 
Camila de Almeida, uma das artesãs, afirma que com o dinheiro das vendas são feitas benfeitorias no Cafundó. "É usado para trocar uma lâmpada, ou comprar cimento para uma obra, enfim, para o que precisar".
 
Com as terras invadidas por propriedades rurais ao longo das décadas, os moradores do Cafundó abandonaram a lavoura e o artesanato e saíram da comunidade em busca de emprego no comércio e indústria. Com a reintegração de parte das terras anunciada no começo de fevereiro, os quilombolas poderão, após cerca de 40 anos de limitações, voltar a trabalhar em seu território. A intenção é que as pessoas que hoje trabalham na cidade retornem para se dedicar somente à comunidade.

 

 

<O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo