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Incra devolve 122 hectares de terra a quilombolas de Salto de Pirapora

Área foi tomada por grileiros ao longo das últimas quatro décadas. Descendentes de escravos vão utilizar espaço para produção rural.

Cânticos africanos e muita dança marcaram a quinta-feira (2) no Cafundó, comunidade quilombola situada em Salto de Pirapora, no interior de São Paulo. No local existem pouco mais de 100 pessoas pertencentes a 24 famílias de descendentes de escravos.
A euforia é resultado de uma reintegração de posse promovida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que devolveu aos quilombolas 122 hectares de terra que haviam sido tomados ao longo das últimas quatro décadas pela ação de grileiros.
A grilagem de terras teria tomado dos quilombolas de Salto de Pirapora, ao todo, 218, 4 hectares que estão divididos em quatro glebas. A reintegração desta quinta marca a retomada da primeira dessas áreas. Na gleba estava instalada a Fazenda Eureka, que foi avaliada em R$ 1.248.536,28 e teve a ação ajuizada na 3ª Vara Federal de Sorocaba em 4 de novembro de 2011. Em 15 de dezembro, a Justiça deu ganho de causa ao Incra, que desde 2005 buscava a reintegração.
O superintendente regional do Incra-SP, José Giacomo Bacarin, explica que as terras passam imediatamente ao controle da Associação Remanescente de Quilombo Kimbundu do Cafundó. “Toda questão que envolve terras demora muito para ser resolvida no Brasil, mas neste caso conseguimos um desfecho justo. Essa é, no entanto, apenas uma vitória”, afirma. “Existem 45 comunidades de descendentes de escravos no estado de São Paulo e algumas delas nem sequer têm a titulação de comunidade quilombola ainda. Nessas áreas, os conflitos com os grileiros são constantes”, complementa.
O superintendente projeta que até o fim de 2013 as outras três glebas hoje ocupadas por propriedades privadas possam ser devolvidas aos quilombolas.
Antena, eucalipto e areia gerarão renda
Na área desapropriada está instalada uma antena de telecomunicações, um eucaliptal usado como matéria-prima por uma indústria de papel e uma mineradora que extrai areia. Segundo o superintendente Bacarin, todas poderão continuar funcionando, porém gerarão renda para a comunidade do Cafundó. “No caso da antena eles receberão o valor referente ao aluguel”, explica.
Bacarin diz que na área do eucaliptal a empresa responsável tem até 60 dias para remover a madeira das árvores já cortadas. Os eucaliptos que crescerem de agora em diante já pertencem aos quilombolas, que poderão negociar sua madeira da forma como quiserem, ou mesmo firmar um novo contrato para que a empresa siga explorando a área. Já no caso da exploração de areia, o Incra esclarece que 15% de todo o valor movimentado pela empresa responsável será repassado à Associação Remanescente Quilombo Kimbundu do Cafundó.
Em memória dos ancestrais
Com lágrimas escorrendo pelo rosto, Regina Aparecida Pereira, uma das líderes da comunidade, relembrou a luta de seus antepassados para a recuperação das terras. “Hoje lembro de cada um deles e vejo que não foi em vão. Demorou demais, mas hoje sabemos que valeu a pena e que pode haver um futuro diferente para nossa comunidade.”
O luta dos quilombolas pela propriedade vem de 1972, quando a comunidade conseguiu garantir ao menos a área onde estavam instaladas as casas das famílias graças a uma ação de usucapião movida pelo ex-líder Otávio Caetano, que já morreu.
Regina Aparecida relembra que as terras da comunidade quilombola foram sendo perdidas para pessoas que se aproveitavam da simplicidade dos moradores do Cafundó. “Chegavam para nossos bisavôs e pediam que eles plantassem milho, dizendo que depois a safra seria comprada. Quando o milho estava pronto para o corte esses invasores cercavam a área e se apropriavam dela. Foram ações baseadas em documentos que continham apenas as impressões digitais de nosso antepassados que não sabiam ler. Eles cediam suas digitais como sinal de boa fé, como forma de firmar o contrato que, na cabeça deles, lhes renderia algum dinheiro.”
Segundo Regina, a meta principal para o futuro é investir na produção agrícola, tanto para subsistência quanto para comercialização. Até hoje, na área onde viviam as famílias, existiam apenas pequenas hortas. “Conforme perdemos terras o cultivo se tornou cada vez mais escasso. Sem condição de trabalhar na lavoura, os quilombolas começaram a procurar emprego na cidade. Nossa ideia é resgatar nossas origens e atrair os quilombolas de volta para cá, para que eles trabalhem no que é nosso.”
 

 

<O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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