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Povos indígenas e a opção que os torna um entrave

O atual projeto político-econômico em transição no país, com a opção pelo chamado "desenvolvimentismo", tem transformado comunidades tradicionais como os indígenas e quilombolas em verdadeiros entraves para esse modelo de "progresso" de estreita ligação com setores da elite brasileira como especuladores imobiliários e grandes produtores rurais.

Nesse modelo, comunidades vêm sofrendo uma violência de Estado – nem sempre caracterizada na forma explícita das ações repressivas e da brutalidade de seu braço militarizado – mas sim na ausência de políticas públicas que priorizem as camadas populares. Em meio a essa questão central – de projeto político de desenvolvimento – transcorreu minha conversa com o professor guarani Teodoro Tupã, uma das lideranças indígenas mais importantes do Paraná nos dias de hoje.
 
Ex-cacique e atualmente lecionando nas reservas do município de Diamante do Oeste, Teodoro aponta os retrocessos ocorridos ao longo dos últimos anos em relação às políticas públicas voltadas aos povos originários, especialmente na área da saúde indígena, processo que segundo ele tem se acentuado desde que a responsabilidade no setor passou da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, criada no governo Dilma Rousseff.
 
Teodoro expõe que a Secretaria Especial de Saúde Indígena não tem apresentado resultados práticos, pelo contrário, tem precarizado o atendimento à saúde nas comunidades paranaenses. Para ele, o descaso com a saúde teve início com a suspensão do Projeto Rondon, iniciativa que era de responsabilidade de ONGs (Organizações Não-Governamentais). Abaixo a entrevista do professor Teodoro Tupã ao blog.
 
Sítio – Descaso na saúde
 
Teodoro – Desde que nossa saúde passou da Funasa para a Secretaria Especial de Saúde Indígena só temos visto a redução no atendimento. Quando ela [Secretaria] foi criada a expectativa era boa e a promessa era de que as coisas iriam melhorar, mas estamos na espera há dois anos. Faz quatro anos que a saúde vem nessa situação, desde que o Projeto Rondon acabou só tem piorado, pelo menos essa é a realidade aqui na nossa região.
 
Antes – ainda na época da Funasa – tínhamos duas viaturas para atender as duas comunidades da reserva em Diamante, a Itamarã e Añetete, agora temos apenas uma para as duas aldeias. Além disso, já tivemos até quatro motoristas trabalhando, se revezando, hoje tem apenas um motorista que precisa trabalhar 24 horas por dia. Também tínhamos mais agentes de saúde, hoje temos apenas duas auxiliares de enfermagem, que não recebem há dois meses, estão trabalhando de forma provisória, de graça, na raça, pelo compromisso com a comunidade. Isso é um desrespeito com esses trabalhadores.
 
Município – Nesta terça-feira (24) tivemos uma reunião com a Secretaria Municipal de Saúde [Diamante do Oeste] que tem nos ajudado em várias situações, pois não estamos mais recebendo a cota que era repassada pela Funasa para remédios, para os convênios com os hospitais, com restaurantes. Tem um momento que o município tem que dar a contrapartida, mas parece que pelo município estar fazendo sua parte, as demais autoridades parecem querer se isentar de suas responsabilidades. A Secretaria de Saúde de Diamante tem sido parceira e tem segurado as pontas como pode, mas a impressão é que a saúde parece não estar mais adequada a comunidade indígena de uma maneira geral. Com saúde não pode brincar, seja a saúde do índio, seja do não-índio.
 
FUNAI – Algo maior tem impedido que a Funai [Fundação Nacional do Índio] consiga desenvolver seus projetos. O problema maior é que precisamos da liberação de recursos, porque independente de quem estiver a frente da Funai, é preciso um projeto político para os indígenas. Temos várias lideranças indígenas preparadas que poderiam assumir até a presidência da Funai, inclusive aqui na região Sul do Brasil, mas não adiantaria de nada se o governo não ajudasse. Veja o exemplo do cacique Juruna quando foi deputado, ele acabou ficando sozinho lá lutando e perdeu a força que tinha. [Mario Juruna, ex-cacique Xavante, primeiro deputado federal de etnia indígena do Brasil]. Nós precisamos que os recursos sejam liberados para a criação de GTs (Grupos de Trabalhos) para darmos sequência nos processos de reconhecimento e demarcações de terras.
 
Demarcações – A pauta da Comissão de Terras para 2012 é fazermos um levantamento territorial das terras tradicionais guarani e avançarmos nas negociações. Em 2011 fizemos um levantamento de parcerias e hoje as autoridades não-índias respeitam a comissão e sabem do seu papel, como a Itaipu Binacional, o Ministério Público, universidades, o governo estadual por meio da Secretaria de Assuntos Fundiários. Apesar de termos esses parceiros, continuaremos na pressão, pois as autoridades precisam entender que o movimento indígena não é para atrapalhar o funcionamento da sociedade, mas sim para estar dialogando com ela sobre nossos direitos. Temos sete ou oito áreas ocupadas aqui no Oeste do Paraná em processo de reconhecimento, são espaços pequenos em média de 50 hectares. Em todo Estado, esse número deve aumentar para mais ou menos 20 áreas. Então nossa luta nesse ano será para mantermos as ocupações, fazermos levantamentos de outras áreas que são de origem guarani e pressionarmos pelo seu reconhecimento como terra tradicional.
 
Política – Já temos vários indígenas inseridos na política, mas precisamos avançar ainda. Os povos indígenas parecem que vivem ainda com um tapete escuro a sua frente e somente quando se abrir esse tapete os indígenas irão acordar. Quando decidi entrar na política foi para descobrir sobre o que realmente é a política, então descobri que a partir dela nossos povos podem cobrar uma educação melhor, uma saúde melhor, cobrar sobre nossas terras. Veja o exemplo da Escola Indígena que está sendo construída em Diamante do Oeste, não foi conquistada somente porque era um direito nosso, mesmo sabendo que aquele era nosso direito tivemos que cobrar das autoridades, ir atrás, fazer nossa política de cobrança e pressão.
 
* Teodoro Tupã Alves é professor bilíngüe nas comunidades de Itamarã e Añetete, que reúnem cerca de 240 famílias em duas aldeias no município de Diamante do Oeste (PR). Em 2007 foi candidato a deputado estadual pelo PCdoB, se tornando o primeiro indígena a disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná, considerando as três etnias indígenas presentes no Estado: Guarani, Kaiguang e Xetá. Atualmente coordena a Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná, grupo formado para discutir os processos de reconhecimento e demarcações de terras tradicionais indígenas na região.
 

 

<O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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