Ações no Congresso e no STF tentam tirar direitos de populações tradicionais
Grupo de parlamentares do Nordeste vai marcar audiências com os ministros Gilberto Carvalho (Presidência da República), Carmen Lúcia e Cezar Peluzzo (STJ) para tratar do Decreto 4.887/2003 que garante a titulação das terras de quilombolas e indígenas.
O Decreto 4.887, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 20 de novembro de 2003 (Dia Nacional da Consciência Negra), e subscrito pelo ex-ministro da Cultura, o baiano Gilberto Gil, elaborado para complementar o que determina o artigo 68 da Constituição Federal de 1988, está outra vez – oito anos depois – no centro das discussões dos três poderes.
Fruto de uma luta histórica do movimento negro e outros movimentos sociais com foco nos direitos humanos fundamentais, o Decreto regulamentou a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos.
Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3239/2004, do Partido Democratas (DEM), que propõe a anulação do referido Decreto.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, proposições de partidos conservadores que representam o agronegócio e a elite rural brasileira – além do DEM, o PSDB e uma parte do PPS e PMDB –, tramitam no Congresso Nacional, também tentando derrubar direitos garantidos pelas comunidades tradicionais – quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, ciganos e outros povos.
O tema foi motivo de três audiências públicas realizadas esta semana por três comissões diferentes da Câmara dos Deputados – e mais um ato político, com correntes e tudo mais – em frente ao Palácio do Planalto.
Visibilidade dos excluídos – É preciso que o poder público, o Legislativo e Judiciário principalmente, e a sociedade como um todo, entendam que há uma mobilização dessas comunidades tradicionais e uma tensão com relação aos seus direitos, e vários ataques que estão correndo na Casa e no Supremo para suprimir esses direitos, disse o deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), autor da proposta de uma das audiências.
Juntamente com o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), o deputado baiano coordenou o debate na Comissão de Educação e Cultura, sobre políticas públicas de desenvolvimento sustentável dos povos tradicionais.
Segundo ele, as audiências foram uma espécie de pauta dos excluídos das comunidades tradicionais na Câmara, e afirmou que ai apresentar um projeto de lei para criar um marco legal de garantia de direitos das comunidades e povos tradicionais, um conjunto de medidas para atender a demanda desas categorias etnias-raciais.
Conservadorismo e morosidade – O vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, que coordenou a primeira audiência, deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), fez críticas tanto ao Congresso Nacional – que ele taxou de conservador, como à Justiça, que segundo ele, é lento na apreciação de determinadas questão,
O Judiciário é o poder que mais coloca obstáculos para o cumprimento da cidadania, reclamou Dutra, que há anos está à frente da luta pela titulação dos territórios dos quilombolas que residem na área de influência da Base Especial de Alcântara, no Maranhão (a ação tramita no Ministério da Defesa).
Para o parlamentar maranhense, o Congresso Nacional também tem ajudado pouco nas causas dos movimentos sociais. Temos um Legislativo extremamente conservador, que privilegia os interesses da elite rural, reforçada pela bancada ruralista, e que vai contra todos os interesses da população, e também das comunidades tradicionais.
Casar luta popular e voto – Dutra queixa-se que, apesar do envolvimento e empenhos de muitos parlamentares para aprovação de projeto de interesse da sociedade, na hora do voto não são reconhecidos pelos menos favorecidos. Eu mesmo, no meu estado, não fui eleito por força dos movimentos populares e sociais.
E aponta uma solução: É preciso casar a luta popular com o voto, pois conquistamos o Executivo federal, mas não temos maioria nos governos estaduais e municipais, nem no Poder Legislativo. E no governo, é bom que se diga, tem aqueles que são do diabo, e os que são de Deus, e o povo só vai conseguir eliminar esse mal com o voto.
Garantia dos direitos – O deputado Amauri Teixeira (PT-BA), um dos autores da proposta de realização da audiência na Comissão de Seguridade Social e Família, enfatizou que esses debates são uma forma de se denunciar para o Brasil o que estão fazendo para acabar com os direitos conquistados pelas comunidades tradicionais. Ruralistas há anos tentam derrubar o decreto, disse ele, se referindo à ADI no Supremo e outras ações no Congresso Nacional.
O parlamentar frisou que é necessário unir forças – no Parlamento e na sociedade – para derrubar o quanto antes as ações que tentam derrubar a garantir dos direitos dessas famílias. Teixeira elogiou o Decreto nº 4.887. Precisamos corrigir a dívida histórica que temos com aqueles que sofreram com a escravidão. E enfatizou que esses debates na Câmara serviram para avaliar medidas para impedir qualquer estratégica covarde contra esses brasileiros.
Parlamentares vão ao Supremo e à Presidência
Um grupo de parlamentares que integram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara – integrado, dentre outros, pelos deputados Domingos Dutra (MA), Amauri Teixeira (BA), Luiz Couto (PB), Luiz Alberto (BA), Paulo Rubem Santiago (PE), Valmir Assunção (BA), Benedita da Silva (RJ) e Padre João (MG) – pretende na próxima semana dar outros passos pela garantia dos direitos fundamentais das comunidades tradicionais.
Primeiro, os parlamentares vão ao ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência da República), para conversar com ele a necessidade de dar celeridade à regularização fundiária dos quilombolas, como explicou o deputado Luiz Alberto.
Esse mesmo grupo vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) conversar com a ministra da Carmen Lúcia, que é relatora do processo dos índios Pataxós (da Costa do Descobrimento-Bahia), e depois com o ministro Cezar Peluzzo, que é relator da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3239/2004), que o DEM interpôs contra as comunidades quilombolas e populações tradicionais, com vista à garantir a validação do Decreto 4.887/203.
O que são quilombos atualmente
São comunidades negras rurais habitadas por descendentes de africanos escravizados que mantêm laços de parentescos e vivem, em sua maioria, de cultura de subsistência (produção de alimento suficiente para as necessidades do grupo). Essas comunidades ocupam sua terra há mais ou menos dois séculos. Ela pertence a um quilombo que resistiu à escravatura ou foi doada pelos senhores de escravo, ou comprada pelos escravos alforriados (libertos) com recursos próprios.
Os territórios quilombolas são também chamados de Terra de Pretos, Terras de Quilombos, Terras de Santos ou Mocambos
Os passos para a regularização das terras quilombolas são: Organizar a Comunidades, Encaminhar o pedido de auto-definição, Abertura do processo administrativo de titulação, Identificação, Delimitação ou levantamento ocupacional, levantamento cartorial, publicação do edital e notificação, Registro em Cartório.
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