Terras de quilombolas em Queimadas são alvo de disputas
Crateús – Em dezembro de 2008, a Superintendência do Incra no Ceará tornou pública a conclusão do processo de reconhecimento da comunidade de Queimadas, neste Município, além das comunidades de Alto Alegre (Horizonte), e Base (Pacajus). Foram as primeiras do Ceará reconhecidas pelo Incra como remanescentes de quilombos. O edital com a conclusão dos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) das três comunidades foi publicado no Diário Oficial da União do dia 11 de dezembro e abriu prazo de 90 dias para contestações de instituições públicas e privadas e organizações da sociedade civil, além dos proprietários de terras situadas na área do perímetro dos territórios. A partir daí tornou-se concreto o conflito de terras que já vinha se delineando na comunidade de Queimadas, a 26km da sede de Crateús, entre proprietários de terras e os descendentes de quilombolas, pois com a conclusão dos processos e o fim do prazo de contestações, o Incra-CE delimitaria as áreas dos territórios de quilombos e concederia títulos de propriedade às famílias descendentes destes. São 8,5 mil hectares de terra que fazem parte do processo de desapropriação. O reconhecimento também irá facilitar o acesso das famílias a programas governamentais de crédito, além de ações integradas de diversos ministérios, previstos no Decreto Presidencial nº 4.887, de novembro de 2003, que determina a identificação e reconhecimento das famílias, a delimitação e demarcação do território, a desintrusão das famílias não descendentes de quilombolas, e a titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes dessas comunidades. Para Roberto Alves, da coordenação geral de regularização de territórios quilombolas do Incra, os conflitos são comuns porque envolvem posse de terras, mas o Incra tem conseguido avançar em todos esses processos de regularização de terras quilombolas, mesmo com dificuldades. O Incra segue a legislação e busca o avanço em todos os casos, ressalta. Na regularização fundiária de quilombo, esta é a última etapa do processo e ocorre após os procedimentos de desintrusão do território. O título é coletivo, pró-indiviso e em nome das associações que legalmente representam as comunidades quilombolas. Não há ônus financeiro para as famílias e a inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade no título, o qual deverá ser anotado no Serviço Registral da Comarca de localização do território. É este o nosso sonho, ter as nossas terras resgatadas para nela plantarmos e vivermos. Queremos somente os nossos direitos e iremos em frente até conseguir a titulação das terras que eram dos nossos descendentes, diz Michele Gomes, que foi elevada à condição de presidente da Associação da Comunidade Remanescente de Quilombolas de Crateús, após o falecimento de seu pai, Nenê Lourenço, líder comunitário dos descendentes na região, em novembro do ano passado. Ela diz que vê o futuro deles com mais pessoas na Associação e muitos projetos para trabalharem na terra. Luta continua A Associação foi criada em 2005 e, de acordo com Michele, possui em torno de 120 sócios. Ela diz estar tranquila e que permanecerá na luta até conseguir a titulação. É um direito deles se defenderem, mas a antropóloga veio, conheceu, pesquisou e viu que aqui existiu a mão-de-obra escrava. Ela conta que seus avós recordam dos sofrimentos que os escravos passavam na região, citando a escrava Damásia e Santa Felícia. Diz que a bisavó dela, Raimunda, já falecida, contava que conheceu Santa Felícia. Luís Gomes, avó materno de Michele, nascido em Tucuns, sede do distrito à qual Queimadas pertence, recorda que quando era criança os vizinhos contavam histórias dos quilombos e dos sofrimentos desses povos. Ele reclama da discriminação. Não podemos plantar na região e não temos acesso a muitos projetos, denuncia Michele. Atualmente, eles trabalham em uma pequena terra do seu avô materno, na sede de Queimadas. Conta que umas 15 famílias ali trabalham e tiram parte do sustento. Reúnem-se quinzenalmente. Árvores frutíferas e hortaliças são cultivadas no pedaço de terra, em que existe um poço profundo. Segundo ela, cestas básicas que recebem da Conab complementam o sustento das famílias. Outros quilombolas foram para São Paulo, devido às dificuldades, mas vão voltar logo que tivermos a titulação.