Barragem de rejeitos da mineradora canadense Kinross ocupará terras quilombolas
Desenvolvimento inequívoco deixa as suas mazelas no progresso
O desenvolvimento inequívoco proporcionado pela exploração do ouro no pequeno município mineiro também deixa as suas mazelas. Ao mesmo tempo em que a modernidade se sobrepõe a olhos vistos, fagulhas do atraso insistem em se fazer presentes por meio da destruição de rios, da devastação da mata nativa e do desaparecimento de parte do patrimônio histórico.
A nova barragem de rejeitos da mineradora canadense Kinross ocupará um vale originário de quilombolas. Os descendentes dos escravos que trabalharam no Córrego Rico e no Morro do Ouro venderam suas terras e se mudaram para a periferia da cidade para ocupar subempregos.
Na extinta comunidade do Machadinho, na entrada da cidade, o pedreiro José Benedito Morais de Lima, 42 anos, conhecido por Zé Dito, conta a história do tataravô Antônio Morais de Lima. Um mulato que nasceu livre e deixou para os herdeiros as terras que ocupava em um morro próximo a Paracatu. Cerca de 200 anos depois, só restam, no local, tijolos do que foi um fogão e um cruzeiro onde começavam e terminavam os festejos.
“Essa terra não podia ser vendida por dinheiro nenhum. Tem um valor sentimental muito grande”, diz Zé Dito, em meio aos escombros que antes formavam a casa de um dos seus tios. Ele relata que, depois da morte do pai e dos parentes que moravam no local, os herdeiros não receberam os títulos das terras. Uma pessoa desconhecida teria vendido o local para a mineradora.
Apesar dessa suspeita de grilagem, Zé Dito admite que a comunidade deixou de existir por vontade própria. “Todo mundo ficou de olho grande no dinheiro. E os que conseguiram receber alguma coisa pelas terras agora se arrependem, pois não conseguiram comprar nem uma casinha simples na periferia da cidade, que está ficando muito cara”, afirma.
Medos latentes
A mina da Kinross fica entre dois quilombos. De um lado, a extinta comunidade do Machadinho, que deu lugar da nova represa. Do outro, São Domingos, que ainda mantém parte das tradições dos primeiros escravos que chegaram a Paracatu. Todos os dias, eles recebem vários ônibus de turismo para vender artesanatos e doces, contar histórias do início da cidade e mostrar uma cachoeira que hoje só existe quando chove forte. “Paracatu começou em São Domingos; somos um museu vivo da história”, diz Magna Aparecida dos Reis Sousa, 53 anos.
O pai de Magda, Aureliano Lopes dos Reis, 97, já foi garimpeiro assim como quase todos os homens de idade mais avançada na comunidade. “Eu ia para Cristalina garimpar ouro e pedras preciosas. Caminhava três dias até lá para colocar comida dentro de casa”, relembra, orgulhoso da força que tinha na juventude. (VM)
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