Incra defende no TCU a titulação da comunidade quilombola da Ilha de Marambaia
O Incra encaminhou esta semana contestação jurídica ao Tribunal de Contas da União (TCU) em que defende os procedimentos de identificação, delimitação e titulação do território quilombola localizado na Ilha da Marambaia, município de Mangaratiba, litoral sul fluminense. No fim de 2009, o Tribunal instaurou Tomada de Contas para apurar possíveis equívocos no processo de regularização da comunidade. Lá, de acordo com levantamento dos antropólogos do Incra, foram identificadas 281 famílias remanescentes de escravos em uma área de 1,6 mil hectares.
A manifestação assinada pelo presidente da autarquia, Rolf Hackbart, contesta as conclusões da Secretaria de Controle Externo (Secex) do TCU no Rio de Janeiro, que apresentou relatório contra os critérios antropológicos utilizados pelo Incra para confirmar que a comunidade é remanescente quilombola. A Secex chegou a recomendar a elaboração de novo laudo técnico pelo Incra, o que anularia por completo o trabalho desenvolvido por cientistas e técnicos da autarquia desde 2004.
Em seu despacho, Hackbart lembrou que o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade já está devidamente concluído pelo órgão. Trata-se de documento composto por perícia sócio-antropológica, cadastramento de famílias, levantamento de cadeia dominial da ilha e pesquisa cartográfica para identificar sobreposições com unidades de conservação ambiental. A tramitação do processo depende agora de ajustes na portaria que vai publicar o RTID e abrir para contestações.
Ainda de acordo com o Incra, os quilombolas da ilha de Marambaia já foram certificados pela Fundação Cultural Palmares, ligada ao Ministério da Cultura, ainda em 2004. No mesmo ano, laudo científico da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenado pelo antropólogo José Maurício Arruti, e que tem quase 400 páginas, reconheceu a comunidade como remanescente quilombola.
Ao defender a atuação do Poder Público na regularização, o presidente do Incra destacou o parecer nº 1/2006, da Advocacia-Geral da União (AGU), assinado pelo então Consultor-Geral da União, Volkmer de Castilho, que uniformiza o papel do governo federal no reconhecimento dessas comunidades tradicionais quilombolas. De acordo com o parecer, a titulação deve respeitar a mesma lógica das terras indígenas, onde a proteção constitucional da posse prevê a ocupação de uma área necessária a manutenção e reprodução da cultura e dos costumes da comunidade.
Judiciário favorável
Além das conclusões científicas, o Poder Judiciário também tem decidido a favor da proteção possessória da comunidade quilombola da Marambaia. A Justiça federal no Rio de Janeiro, por exemplo, julgou em primeira instância o pedido do MPF para manter os quilombolas na ilha, chegando a estipular prazos para que o Incra finalizasse a titulação definitiva da comunidade. Em outra decisão de grande repercussão, julgada em novembro do ano passado, a 1ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu por unanimidade a legitimidade da posse dos quilombolas sobre a ilha.
Histórico
Segundo laudos antropológicos que atestam a origem tradicional da comunidade, o território ocupado já foi de propriedade do comendador Joaquim José de Souza Breves, que comprou a área em 1856. Breves, famoso senhor do café à época, instalou um entreposto do tráfico negreiro na localidade, que funcionou durante décadas para confinar escravos recém-chegados da África por um período de engorda, até que eles estivessem em boas condições físicas para o trabalho forçado nas lavouras.
Após a morte do comendador, em 1889, os quilombolas estabeleceram uma posse pacífica das terras, vivendo basicamente da pesca artesanal. A família de Breves, com dificuldades financeiras, abandonou por completo a ilha até decidir vender a propriedade para a União em 1906, quando foi repassada ao controle da Marinha.
Ser quilombola
Um dos principais entraves judiciais para a tramitação dos processos de titulação de comunidades quilombolas é justamente o conceito atualizado de quilombo. O relatório da Secex/RJ entende quilombola somente a comunidade comprovadamente formada por remanescentes de escravos fugidos. Por outro lado, a atuação do Incra, baseada no Decreto 4.887/2003 e na Constituição, resulta do entendimento antropológico consagrado de que comunidades quilombolas se formam não só pelo agrupamento de escravos fugidos, mas também por meio de ocupação de terras livres, doações, herança ou mesmo aquisição de áreas como pagamento de serviços prestados, antes e após o período da escravidão.
Segundo antropólogos, o que fundamenta o atual conceito de quilombo é a consolidação de um território próprio por comunidades negras rurais que mantêm costumes tradicionais e uma relação de subsistência e preservação do ecossistema, além de desenvolvem práticas culturais que remontam à opressão histórica da escravidão.
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