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A cultura de resistência do quilombo ganha o país

“O quilombo é a essência da cultura de resistência de um povo”, diz Marcus Vinícius Ferreira, integrante da comunidade quilombola de Salinas, a cerca de 550 km de Teresina (PI). Ciente da responsabilidade de ser herdeiro de uma história de luta libertária, esse pedacinho do Brasil tem trabalhado com afinco na preservação e divulgação da identidade negra. Se a cultura ancestral desse povo já estava ali, o Programa Pontos de Cultura chegou para jogar luz em toda a sua riqueza e relevância.

Há mais de 100 anos, o quilombo de Salinas criou o movimento cultural “Samba de Cumbuca”, para valorizar uma expressão cultural que passou de geração em geração, e garantir que ela não se perca no tempo e na história. “Samba de Cumbuca é a nossa identidade enquanto negros. O grupo é responsável por guardar a cultura quilombola”, diz Marcus Vinícius.

Ele conta que a manifestação surgiu a partir de seis negras, que foram arrancadas da África para serem escravizadas no Brasil e terminaram fugindo para o quilombo. No local, tiveram contato com as cabaceiras, árvores cujos frutos eram utilizados como cumbucas no dia-a-dia do quilombo.

“Elas voltavam da lida cantarolando coisas sobre o cotidiano e, um dia, descobriram que a cabaça produz o mesmo som dos tambores. Daí veio essa manifestação que mantemos até hoje”, conta Marcus Vinícius. No “Samba de Cumbuca”, só quem toca a cabaça é a mulher e as cantigas são passadas de pai para filho. Como antigamente.

Na comunidade, vivem hoje 106 pessoas, tendo a mais velha 98 anos. Destas, 40 estão ligadas diretamente ao samba. “Nós consideramos que a comunidade é uma só família”, explica ele. O trabalho do grupo cultural, somado à agricultura familiar, é o que mantém o quilombo.

Ponto de Cultura

Contemplado pelo programa do governo federal, o grupo virou, no ano passado, o Ponto de Cultura Cumbuca de Quilombo. “Nós já éramos um ponto de cultura, porque, para nós, o ponto de cultura é a preservação de uma cultura que é muito rica. A nossa cultura já estava lá. Com o programa, recebemos apoio, legitimidade e levamos o que fazemos para além das fronteiras do quilombo”, avalia Marcus Vinícius, coordenador do ponto.

Com o Ponto de Cutura, a comunidade tem promovido oficinas como as de samba de cumbuca, estética negra, batique e capoeira. “Trabalhamos a questão da identidade, de ser negro: as roupas, as tranças, os adereços, os costumes”, contou o coordenador.

Segundo ele, contudo, o principal ganho após o apoio do programa federal foi a instalação de uma rádio comunitária, na qual o quilombo discute não só as questões do Salinas, mas das mais de 150 comunidades quilombolas do Piauí. “No Piauí, há 113 pontos de cultura e dez deles são em quilombos. Ficamos muito felizes com isso”, afirma.

Ele explica que, por meio do ponto de cultura, a comunidade fez uma parceria com a escola municipal, para transmitir, vinculado à educação formal, as manifestações e histórias da comunidade. Para Marcus Vinícius, o projeto do governo federal é importante à medida que “desesconde”, valoriza e descentraliza a cultura.

“Acho que legaliza a cultura, que muitas fezes é colocada como oba-oba, batida de tambor. Hoje há um outro olhar, voltado para a economia da cultura, sua estética e importância”, elogia.

Crianças

Dispostas a também ajudarem na preservação de sua cultura, as crianças do quilombo de Salinas convocaram uma conversa com os adultos. “Não foi um desejo nosso, mas uma cobrança delas. Ficamos admirados quando elas nos chamaram para uma reunião e disseram que os mais velhos já sabem, os jovens estão aprendendo e elas também queriam fazer parte”.

Foi assim que surgiu o “Sambinha de Cumbuca”, hoje com 30 crianças. “Ficamos emocionados de ver que os meninos dizendo `eu sou sambinha, porque meu bisavô e meu avô foram, e sou parte dessa história´. Da maior importância para as crianças é ter sua carteira de identidade, esse viver e fazer a cultura deles”, conta Marcus Vinícius.

Teia

O “Samba de Cumbuca” participa da Teia 2010, em Fortaleza, e apresentou-se durante o evento. “A Teia é o entrelaçamento da cultura. É onde conhecemos a nós mesmos e ao outro enquanto seres culturais. É o momento da troca”, afirma o coordenador do grupo.

Ele se emociona ao lembrar que vários filhos da comunidade, que hoje moram no Ceará, foram à apresentação. “Eles foram para dizer: nós nos afastamos do quilombo, mas não da cultura, da identidade”.

Outro momento que ele destacou da Teia foi o cortejo. “O desfile integrou esse leque cultural que é Brasil. Ali, nos vimos como iguais. Vimos que não deixamos a desejar a nenhum outro grupo, porque nós todos, juntos, somos cultura”, encerrou. A Teia – um encontro de pontos de cultura – começou na última quinta (25) e termina nesta quarta (31).

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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