Quilombolas e ativistas lançam movimento em defesa da titulação de terras
Líderes quilombolas, ativistas que atuam em defesa da igualdade racial e representantes do movimento social lançaram durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o Movimento Nacional em Defesa da Titulação e Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Quilombolas.
O manifesto de criação, assinado por entidades como o Movimento Negro Unificado (MNU) e o Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul (Iacoreq), critica o ritmo de andamento dos processos de regularização.
O documento classifica como uma ameaça aos direitos quilombolas a ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo partido Democratas no Supremo Tribunal Federal (STF) contestando decreto presidencial de 2003 que estabelece normas para a regularização das terras.
Os quilombolas e ativistas definiram uma agenda de mobilização e articulação com plenárias estaduais entre os dias 21 e 31 de março e definiram 22 de abril como o Dia de Jornada de Luta Quilombola.
— É uma agenda de luta para tirar da morosidade institucional a titulação dos territórios quilombolas. Começamos essa mobilização aqui com quilombolas do Sul, mas nossa intenção é ampliar para movimentos e articulações quilombolas e negras do Brasil todo — explica a presidente do Movimento Negro Unificado (MNU) Vanda Gomes Pinedo.
De 1995 a 2008, 106 comunidades quilombolas receberam o título das terras. As associações quilombolas estimam, no entanto, que existam quase cinco mil comunidades no país. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o responsável pelo processo de regularização. De acordo com a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), questionamentos judiciais fazem com que os processos de titulação sejam mais lentos.
— No ano passado começamos o processo de desapropriação de 30 áreas quilombolas. Não podemos, em nome dessa ansiedade de alguns segmentos da sociedade, atropelar a legislação e jogar por terra todo um trabalho feito com as comunidades — diz o ministro da Seppir, Edson Santos.
Para ele, cabe ao movimento social fazer “pressão”, até porque a regularização das terras não depende apenas do Executivo, mas também envolve o Judiciário.
— Temos certeza de que estamos indo no caminho certo. Estamos consertando erros do passado e não vamos, mesmo levando em conta a pressão, tratar irresponsavelmente a questão das terras quilombolas — afirma.
Mariluz Marques, líder da comunidade quilombola Paiol de Telha Fundão, de Guarapuava, no Paraná, acredita que parte dos entraves está na influência de políticos e agricultores interessados em não perder terras. Pelos cálculos dos quilombolas, a comunidade do Paiol reúne cerca de 500 famílias em 3,6 alqueires. Parte dessas terras estaria ocupada por agricultores.
— Os quilombolas são descendentes de africanos que não tiveram voz e nem vez quando foram trazidos pra cá e continuam sem voz nem vez — afirma Mariluz.
Emmanuel Farias, um dos pesquisadores do projeto Nova Cartografia Social, afirma que a ausência de titulação deixa várias comunidades quilombolas vulneráveis a ameaças e violência. Doutorando em antropologia, ele atua no mapeamento das comunidades a partir de depoimentos dos próprios quilombolas.
— O Brasil é um país construído com bases racistas, escravocratas e as pessoas precisam lutar para dizer que existem, que têm problema com o território, que pessoas, empresas multinacionais e mineradoras estão invadindo o território. Por isso, é tão importante que os quilombolas da Amazônia, da Região Sul e de todas as regiões se unam nesse movimento para reivindicar seus direitos — avalia Farias.
Carlos Artur Bittencourt, da comunidade quilombola de Casca, a 140 quilômetros de Porto Alegre, conta que as famílias estão ansiosas pela titulação da terra. De acordo com ele, a comunidade abriu mão de parte dela, inclusive em área de praia, para chegar a um consenso com o setor imobiliário local e acelerar o processo de titulação.
— Nosso sustento vem da plantação de arroz e cebola. Somos felizes aqui. A comunidade tem cerca de 100 famílias que desejam esse título para honrar os antepassados — conclui Bittencourt.
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