O 01 da Ilha das Cobras!
Ele é o 01, aqui, Milton. Acima dele, só o Ministro da Defesa e o Presidente da República. Envaidecido e assustado, atendi ao convite do Almirante Monteiro, 01 da gloriosa corporação dos Fuzileiros Navais do Brasil, para ir até a Ilha das Cobras, ui!. Claro que se chama das cobras, pois é a maior concentração de homem bonito por metro quadrado da face da terra, e salve-se quem puder. Fiz a linha pescoço ventilador, virando para todos os lados, e fui em frente, porque atrás vem gente! Simpaticíssimo, o Almirante queria me dar a versão militar sobre a questão da demarcação das terras do quilombo na Restinga da Marambaia, pois fiz um pedido aqui na coluna, em novembro, para que ele deixasse os quilombolas fazerem a festa da consciência negra lá no quilombo. Primeiro, ele esclarece que são 153 famílias de pescadores que, segundo estudos da UERJ não caracterizam uma comunidade quilombola segundo os critério requisitados pela União. Segundo, a Marinha já está lá desde 1906, publicado no Diário Oficial. Terceiro, é área de proteção ambiental estadual e de interesse para a Defesa Nacional. Quarto, que ele acha que as famílias que lá estão merecem o título de proprietários das casas que já existem. Quinto, que além destes, ninguém mais pode edificar na restinga, pois ele tem medo da favelização que ocorre em Angra e Mangaratiba. Sexto, que ele não proibiu a festividade; ele proibiu uma excursão comercial (R$ 35 por cabeça) que atracaria de saveiro para uma visita turística, naquele dia. Sétimo, que se a União demarcar as áreas pedidas pelos quilombolas e índios e grupos afins, vinte e cinco por cento do território nacional estará nas mãos destes grupos, e, no caso da restinga da Marambaia, cada um dos trezentos quilombolas ficará com muitos, mas muitos mesmos, hectares por pessoa, e aí a área não mais interessará para a Marinha, que precisa de território para tiros e treinamentos. Ufa! Um dossiê completo, bem documentado e que corre na justiça, há anos. Vamos ver no que isto vai dar, pois os pescadores são defendidos por uma ONG. É briga de cachorro grande, a área disputada é belíssima, vale uma fortuna incalculável, e eu e vocês queremos um país feliz onde todos os direitos sejam respeitados. Sejam lá de quem forem. Fora isto, o Museu lá instalado em túneis do século XVIII é lindo, bem conservado e um passeio público interessantíssimo. No final, um filme onde Raquel de Queiroz diz que moças casadoiras sempre estiveram de olho nos fuzileiros, desde sempre. Portanto, não houve nada demais no meu assanhamento no meio dos cobras.
Fonte: Jornal O DIA, 15/12/2009
Comentário ao post de Milton Cunha
Quilombolas da Marambaia
Prezado Milton,
em primeiro lugar, parabéns pelo blog, e pela manifestação de apoio à luta dos negros e quilombolas brasileiros. Sou antropólogo e professor da UFRRJ, e já trabalhei com os quilombolas da Marambaia. Gostaria de pontuar rapidamente a resposta oficial da Marinha:
1) A UERJ não foi responsável por nenhum estudo oficial acerca da identidade quilombola ou do território da Marambaia. Há um laudo produzido pela Fundação Cultural Palmares, órgão do governo responsável pela certificação dos quilombos, que aliás já certificou a identidade quilombola do grupo. Além disso, há um processo de titulação da terra quilombola da Marambaia aberto no INCRA, o órgão responsável pela demarcação. Logo, é oficial: a Marambaia é uma comunidade remanescente de quilombo. Para além do oficial, trata-se de uma comunidade de remanescentes de escravos da antiga fazenda de Joaquim de Souza Breves. Tem territorialidade própria, ancestralidade negra, memória, ocupa o território desde o século XIX. Pela lei, é quilombo.
2) A Marinha ocupou a ilha em 1908, com uma escola de marinheiros, mas a escola foi transferida em 1910, para Campos.Apenas em 1971 a Ilha volta À administração da Marinha, para a instalação do Centro de Adestramento. Poucos anos depois, começam as tentativas de expropriação dos moradores… De qualquer forma, os ilhéus descendentes de escravos lá chegaram antes: no meio do século XIX.
3)A área é de administração da Marinha, mas não é área de segurança nacional. A proteção ambiental é garantida pela própria condição da titularidade da terra quilombola: coletiva, sendo proibida a divisão, o parcelamento, a penhora ou a venda. Ameaça ao meio ambiente são os tiros na costa e na pedra, os treinos na mata, etc.
4)Não são as famílias que querem títulos particulares (isto sim, ameaça de crescimento desordenado), mas a comunidade que quer o título coletivo de um território que não é só casa e terra pra plantar, mas espaço carregado de significados culturais.
5)Quanto à favelização, como falei, o título coletivo é garantia de que a comunidade crescerá segundo seus próprios critérios. E, além disso, o discurso oficial tem que parar de usar o termo favelização, não acha? É preciso que parem de estigmatizar a ocupação urbana dos pobres. Ocupação da cidade só é bonita se for feita pelos ricos?
6) Ao se proibir a entrada de barcos particulares na festa, ficou impedida a plena realização dela, já que só poderiam entrar na ilha os barcos da própria Marinha…
7)É falacioso o argumento de que a titulação dos territórios étnicos ameaça a soberania nacional. As terras indígenas são terras da união. Quanto aos quilombos, apenas cerca de 955 mil hetares foram titulados até hoje. Isto está longe de ser uma revolução quilombola, como querem fazer crer alguns… No que diz respeito ao território da Marambaia, por definição dos próprios quilombolas, o território não conflita com a área hoje usada para treinamento do CADIM. Não é verdade que uma coisa exclui a outra.
Desculpe pelo comentário excessivamente longo. Mais informações sobre o caso você pode encontrar em http://www.koinonia.org.br/oq/dossies/marambaia/home_dossie1.htm
No mais, vale tentar fazer uma visita à própria ilha. Mas, nesse caso, eu recomendaria que ela fosse ciceroneada pelos quilombolas.
Um grande abraço
André Videira de Figueiredo (andre.videira@gmail.com)
Qua, 16 Dez 2009 11:11:24 GMT
Se você quiser comentar também, acesse:http://odia.terra.com.br/blog/miltoncunha/