Câmara dá parecer contrário a projeto que tenta acabar com a demarcação de terras de quilombos
O cerco às terras de quilombo está se apertando, mas às vezes surgem notícias alentadoras. Desde que foi editado o Decreto Federal n° 4887 de 2003, que dá poderes ao Incra para identificar e destinar às comunidades quilombolas as terras por elas tradicionalmente ocupadas, atores diversos vêm tentando derrubá-lo.
Primeiro foi o Partido da Frente Liberal (PFL, atual Democratas), que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para questionar a medida, mas que até hoje não foi julgada. Mais recentemente, a partir de um escândalo fabricado por uma grande emissora de televisão, o próprio Governo Federal resolveu rever os seus procedimentos para a titulação de terras de quilombos, o que, após um insuficiente processo de consulta com algumas organizações quilombolas, culminou com a publicação de uma nova regra burocratizando e complicando um procedimento que já não era simples. Nesse meio tempo, alguns deputados, contrários à idéia de que o Estado reconheça aos quilombolas direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam ou ocuparam, resolveram apresentar um projeto para anular o decreto 4887/03. Mas nesse campo receberam o seu primeiro revés.
Analisando o mérito do projeto de decreto legislativo apresentado pelo deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), o Deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) recomenda a sua rejeição, argumentando que o decreto é a única norma legal existente para garantir o direito assegurado pela Constituição Federal aos quilombolas e que, portanto, revogá-lo seria o mesmo que tornar sem efeito o art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, que determina ao Estado o dever de titular as terras dos remanescentes de quilombos.
Mesmo assim, o relator critica no texto, que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, vários pontos do decreto, entre os quais o direito à autoidentificação e à desapropriação para remanescentes das comunidades de quilombos, que ele diz não estarem previstos por lei ou pela Constituição.
Para Raul Silva Telles do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito do ISA, o relatório vai na direção correta. “O parecer apresentado, apesar de considerar ilegais alguns pontos do decreto que consideramos perfeitamente válidos, toca no ponto central da questão: não pode o Estado se omitir diante da obrigação constitucional de garantir a terra aos quilombos. Se com as regras que estão aí já está muito difícil demarcar essas terras, imagine, então, sem regra alguma que dê suporte à ação do Estado”, conclui.
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