Zero Hora publica dados equivocados de pesquisa sobre quilombos em Porto Alegre
A socióloga Ieda Ramos, leitora do Observatório Quilombola, nos enviou um esclarecimento sobre matéria postada no Observatório no dia 13/06, intitulada Pesquisa revela que há quatro comunidades em Porto Alegre, publicada no Jornal Zero Hora (Ver link para matéria ao final da página):
“Envio esta mensagem com intuito de esclarecer que a notícia intitulada Pesquisa revela que há quatro comunidades em Porto Alegre sob responsabilidade de divulgação dos dados do Jornal Zero Hora, veiculado através do Boletim eletrônico do Observatório Quilombola no dia 13/06/2008, traz informações e dados confusos e misturados que compõe os resultados de duas pesquisas realizadas em Porto Alegre: Uma pesquisa intitulada: Estudo Quanti-Qualitativo da População das Comunidades Remanescentes de Quilombo de Porto Alegre e a outra intitulada: Estudo quanti-qualitativo da população afrobrasileira no município de Porto Alegre/RS.
A população quilombola de Porto Alegre totaliza 633 pessoas e não 2029 como foi divulgado. Esse número maior de pessoas é em relação à população afrobrasileira de Porto Alegre.
Em anexo, envio uma síntese da pesquisa sobre a população quilombola que foi realizada pelos pesquisadores: Jane Rocha de Mattos (historiadora) – jmattos@cpovo.net, Olavo Ramalho Marques (antropólogo) – olavomarques@yahoo.com, José Carlos Gomes dos Anjos (antropólogo) – jcdosanjos@gmail.com e por mim, Ieda Cristina Alves Ramos (socióloga) – iedaramos@gmail.com pesquisadora e coordenadora”.
Ieda Ramos (Socióloga)
O Observatório Quilombola agradece a preocupação da leitora e publica a seguir a síntese da pesquisa com dados sobre a população quilombola em Porto Alegre.
“Estudo Quanti-Qualitativo da População das Comunidades Remanescentes de Quilombo de Porto Alegre”
Ieda Cristina Alves Ramos*
A pesquisa sobre a População das Comunidades Remanescentes de Quilombo de Porto Alegre foi um dos sub-projetos do convênio UFRGS – FASC, que previu, além do estudo quali-quantitativos da população das comunidades remanescentes de quilombos, os estudos da população (crianças, adolescentes e adultos) em situação de rua, das comunidades indígenas e da população afrobrasileira de Porto Alegre/RS. A execução dos estudos foi de responsabilidade do Laboratório de Observação Social (LABORS), órgão vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFRGS. A pesquisa foi realizada com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).
Os dados empíricos através de formulários e roteiro de entrevista foram levantados nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2008, com acompanhamento e facilitação das lideranças das respectivas associações quilombolas e as entrevistas realizadas por pessoal capacitado especificamente.
No aspecto quantitativo, foram aplicados questionários com os responsáveis por 172 famílias membros dos quatro grupos alvo desse estudo, totalizando 633 pessoas, traçando um perfil das demandas na área da saúde, educação, moradia, segurança, políticas públicas, assistência social e regularização fundiária. Informações e dados que foram corroborados no aspecto qualitativo onde foram realizadas 5 entrevistas semi-estruturadas com lideranças comunitárias.
São comunidades majoritariamente negras, com trajetórias de exclusão, opressão histórica e expropriação de seus territórios, que mobilizam um idioma étnico como ato cultural enunciativo de uma distintividade social, histórica e cultural que lhes deve garantir direitos sociais.
As comunidades que foram objeto da pesquisa estão situadas em quatro bairros da cidade de Porto Alegre como Menino Deus (Comunidade Remanescente de Quilombo do Areal), Azenha (Comunidade Remanescente de Quilombo Família Fidelix), Cascata (Comunidade Remanescente de Quilombo dos Alpes) e Três Figueiras (Comunidade Remanescente de Quilombo Família Silva).
Aspectos sócio demográficos:
A população quilombola de Porto Alegre é composta de 321 mulheres (50,7%) e 312 homens (49,3%). Por Quilombo isso representa: Quilombo do Areal – 131 mulheres (51,2%) e 125 homens (48,8%); Quilombo dos Alpes – 115 mulheres (50,7%) e 112 homens (49,3%); Quilombo Família Fidelix – 52 mulheres (51,5%) e 49 homens (48,5%); Quilombo Família Silva – 23 mulheres (46,9%) e 26 homens (53,1%).
Famílias cadastradas por quilombos: Quilombo dos Alpes – 56 famílias (32,6%); Quilombo do Areal – 71 famílias (41,3%); Quilombo Família Fidelix – 30 famílias (17,4%); Quilombo Família Silva – 15 famílias (8,7%).
Sexo dos responsáveis: 111 mulheres (64,5%) e 61 (35,5% homens)
Escolaridade dos responsáveis: 50,6% Ensino Fundamental incompleto
Escolaridade: Mais de metade dos adultos (60%) das comunidades tem o fundamental incompleto, nenhum jovem entre 18 e 24 anos concluiu o ensino superior, mas a presença neste nível de ensino já é significativa. Dos membros da família que não estudam sensivelmente um quarto indicam motivos relacionados ao tempo dedicado ao trabalho como razões para não freqüentar a escola.
Acesso aos serviços públicos e à assistência social
O Programa Bolsa Família atinge apenas 21,1% e os demais programas sociais atinge de 0,6% a no máximo 3,5% , das famílias quilombolas de Porto Alegre.
Resumo por Quilombo:
O Quilombo Família Silva
A média de habitantes por domicílio no bairro é de 3,33. No bairro Três Figueiras, está localizado o Quilombo Família Silva composto por um total de 49 habitantes que residem em 15 moradias, o que faz uma média de 3,26 habitantes por domicílio. O Quilombo Família Silva é composto por 15 famílias. O rendimento médio mensal dos habitantes do bairro Três Figueiras representa 37 salários mínimos. Os rendimentos médios da maior parte das famílias do Quilombo Família Silva gira entorno de 1 a 4 salários mínimos mensais.
Moradia: O material da construção da maioria (93,3%) das moradias é a madeira e apenas 6,7% das moradias apresentam uma composição de materiais mistos. O estado de conservação predominante é regular (40%) e precário (26,7%). Para 66,7% dos entrevistados o tamanho da moradia não é adequado para sua família.
Educação: 53,3% dos responsáveis possuem ensino fundamental incompleto e apenas 20% tem ensino médio completo e nenhum desses 15 está estudando. Os principais motivos que levam os chefes de família não continuarem estudando são: trabalho e cuidado com a família.
Principais problemas de saúde que afetam as famílias são: pressão alta (14,3%), alcoolismo (6,7%), problemas cardíacos (6,7%), problemas psicológicos/depressão (6,7%).
Principais problemas que afetam as famílias da comunidade são: Desemprego (40%), Educação (20%), Violência (6,7%) e Saúde (6,7%).
O Quilombo do Areal
O bairro Menino Deus possui uma média é de 2,57 habitantes por domicílio. O quilombo do Areal conta 256 habitantes, divididos em 71 famílias. São, em média, 3,6 pessoas por família. No bairro Menino Deus, o rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 15,6 salários mínimos. No Quilombo do Areal, 81% das famílias possuem uma renda total de até 4 salários mínimos mensais. 25,4% das famílias manifestam ser atingidas pelo desemprego Moradia: As 71 famílias membro da comunidade habitam 60 moradias. 90% das casas são de alvenaria, e apenas 8,4% são mistas (parte de alvenaria e parte de madeira). 68,3% dos responsáveis pelas famílias consideram que a moradia é adequada para o tamanho da família (que tem, em média, 3,6 membros). Entretanto, 30% dos responsáveis pelos domicílios consideram-nos pequenos demais para suas famílias. O estado de conservação é considerado como regular para 33,3% e precário pra 16,7% dos responsáveis.
Educação: mais de 60% dos chefes de família possuem ensino fundamental incompleto. 94,4% não estão estudando no momento. Precisa trabalhar para ajudar na renda familiar é um dos principais motivos para não continuar a estudar.
Principais problemas de saúde que afetam as famílias são: pressão alta (43,7%), tabagismo (42,3%), problemas respiratórios e dores no corpo/reumatismo (33,8%), diabetes (21,1%).
Principais problemas que afetam as famílias da comunidade são: Desemprego (25,4%), Saúde (14,1%), Drogas (12,7%), Violência (8,5%).
O Quilombo dos Alpes
Cascata é um bairro habitado, em geral por populações de baixa renda. Possuía no ano 2000 uma média é de 3,5 habitantes por domicílio. No quilombo, são 227 habitantes cadastrados, divididos em 56 famílias. São, em média, 4 habitantes por família. No bairro Cascata, o rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 3,17 salários mínimos. No quilombo dos Alpes, todas as famílias possuem uma renda mensal de no máximo 4 salários mínimos. 36,5% delas sobrevivem mensalmente com uma renda de um salário mínimo ou menos.
Moradia: 56 famílias habitam 51 moradias. Quanto ao material de construção, 49% é alvenaria, 37,3% de madeira e 13,7% mista. As condições de moradia são apontadas pela comunidade como inadequadas para acomodação de todos os seus membros 68,6% – não adequada e 29,4 % – adequada. Os responsáveis consideram o estado dessas moradias como regular 47,0% a precário 29,4%.
Educação: mais de 60% dos chefes de família possuem ensino fundamental incompleto. 94,4% não estão estudando no momento. Precisa trabalhar para ajudar na renda familiar é um dos principais motivos para não continuar a estudar.
Principais problemas de saúde que afetam as famílias são: tabagismo (55,4%), problemasrespiratórios (48,2%), pressão alta (41,1%), dores no corpo/reumatismo (32,1%), problemas psicológicos/depressão e alcoolismo (25%), problemas cardíacos (19,6%), doenças renais e deficiência física (16,1%), deficiência mental e uso de drogas (14,3%).
Principais problemas que afetam as famílias da comunidade são: Desemprego (42,9%), Fome e Pobreza (12,5), Violência (8,9%), Saúde, Drogas e Transporte (5,4%),
O Quilombo Família Fidelix
Localizada na área limítrofe entre os bairros Cidade Baixa e Azenha, a Comunidade da Família Fidelix, porém, usufrui dos serviços associados ao Bairro Cidade Baixa. Os índices econômicos apontados para este bairro não refletem a especificidade dos locais que os compõe, a exemplo do rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicilio segundo dados do ano de 2000, onde foi estabelecido em 11,20 salários. A pesquisa quantitativa que mapeou o nível de salarial da comunidade da Família Fidelix aponta para 2 a 3 salários por família (73,4%), contrastando com a realidade da maioria dos moradores do bairro.
Moradia: Os moradores consideram que as habitações estão em estado precário (44,8%) ou regular (27,6%). Quanto ao material de construção das moradias: mista – 44,8%, alvenaria – 34,5% e madeira – 20,7%. Para 62,1% dos responsáveis não consideram adequadas às moradias para o tamanho de suas famílias.
Educação: Diferente dos índices das demais comunidades, os responsáveis aqui 40% tem ensino fundamental incompleto, e os demais completaram o ensino fundamental (16,7%), ensino médio incompleto (13,3%), ensino médio completo (26,7%) e ensino superior incompleto (3,3%), mais de 60% dos chefes de família possuem ensino fundamental incompleto. 86,7% não estão estudando no momento.
Principais problemas de saúde que afetam as famílias são: pressão alta (50%), tabagismo e dores no corpo/reumatismo (43,3%), problemas respiratórios e problemas psicológicos/depressão (36,7%), problemas cardíacos (20%), obesidade e diabetes (10%).
Principais problemas que afetam as famílias da comunidade são: Desemprego e Saúde (20%), Moradia, Fome/Pobreza e Drogas (6,7%), Violência, Educação e Alcoolismo (3,3%).
Considerações Finais
Dar voz às demandas das comunidades estudadas foi uma das principais dimensões do estudo. Aos seus olhos, revela-se extremamente importante, a criação de canais de ação conjunta entre as diversas esferas políticas, de modo a elaborar projetos específicos para essas comunidades, envolvendo órgãos federais, estaduais e municipais. Do mesmo modo, é verificado que uma das principais formas de acesso às carências sociais desses grupos consiste no estabelecimento de canais de comunicação com as comunidades através de suas lideranças comunitárias – notadamente as mulheres, em geral ligadas às associações de moradores. Isso é ainda mais premente quanto às ações no campo da assistência social.
*Socióloga – PGDR/UFRGS e Coordenadora do “Estudo Quanti-Qualitativo da População das Comunidades Remanescentes de Quilombo de Porto Alegre”.
Leia a notícia do jornal Zero Hora:
RS – Mais de duas mil pessoas vivem em quilombos em Porto Alegre – http://www.koinonia.org.br/oq/noticias_detalhes.asp?cod_noticia=4541&tit=Notícias
< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>