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Conaq: Um movimento nacional dos quilombolas

Ivan Rodrigues Costa*

No Brasil, o expressivo número de povoados quase que exclusivamente compostos por trabalhadores rurais negros e negras começou a despertar a atenção de vários setores da sociedade brasileira. Tal emergência das comunidades quilombolas tem suas origens na crescente organização dos trabalhadores do campo e na ascensão do movimento negro brasileiro, enquanto movimento político organizado que afirma a identidade étnica inserida no conjunto das lutas dos(as) quilombolas  pela posse de suas terras centenárias.

Tão logo identificadas, tais comunidades passaram a ser objeto de estudos antropológicos e jurídicos e apontaram o caminho dos seus legítimos interesses, irredutíveis a suas manifestações culturais afro-brasileiras, não obstante seu importante papel como recriadoras de laços de afinidades e preservadoras da história desses grupos.

Esta luta expressa a imensa dívida do Estado brasileiro para com a população negra, que sofre a dupla opressão enquanto camponesa e parte de um grupo racial inserido numa sociedade pluriétnica, mas desigual.

“Mocambos”, “quilombos”, “comunidades negras rurais” e “terras de preto”, em verdade, referem-se a um mesmo patrimônio cultural inestimável e em grande parte desconhecido pelo próprio Estado, pelas autoridades e órgãos fundiários. As autodenominações dos camponeses dizem respeito a uma herança histórica, que se renova há várias gerações de negros trazidos para o Brasil na condição de escravos. E, para muitos desses grupos, a sociedade envolvente ainda é tida como um ambiente hostil.

Os Quilombos de hoje correspondem às chamadas terras de preto, ou comunidades negras rurais, que se originaram, de fazendas falidas, das doações de terras para ex-escravos, das compras de terras pelos escravos alforriados, da prestação de serviços de escravos em guerras (Balaiada, Paraguai) e das terras de Ordem Religiosa deixadas a ex-escravos no início da segunda metade do século XVIII.

Dados coligidos pelo Projeto Vida de Negro (PVN), da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA), pelo Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA), pela Associação Brasileira de Antropologia do Rio de Janeiro (ABA/RJ), pelo Centro Dom José Brandão de Castro/Sergipe, pela Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura-Brasília/DF, pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI/SP), pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná/PA (ARQMO), do Kilombo-Organização Negra do Rio Grande do Norte, pelo Grupo Cultural Afro Coisa de Nêgo do Piauí, pelo Grupo Trabalho e Estudos Zumbi de Mato Grosso do Sul-TEZ, do Grupo Cultural Niger Okám da Bahia, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Goiás e da Bahia, pelo Movimento Negro Unificado (MNU) de Goiás, Rio de Janeiro e Pernambuco, e pelo Projeto Campos Negros do MNU da Bahia permitem constituir um mapeamento preliminar (nos anos de 1986, 1988, 1989, 1995, 1997, 1998, 1999 e 2000) de 1.370 situações com amplas possibilidades de virem a ser reconhecidas como comunidades quilombolas.

O movimento nacional das comunidades negras rurais quilombolas é hoje um dos mais ativos agentes do movimento social negro no Brasil. Unidos pela força da identidade étnica, os quilombolas construíram e defendem um território que vive sob constante ameaça de invasão, realidade que revela como o racismo age no país: impede que negros e negras tenham o direito à propriedade, mesmo sendo eles os donos legítimos das terras herdadas dos seus antepassados: negros e negras que lutaram contra a escravidão e formaram territórios livres. Mas, ainda hoje, os descendentes diretos de Zumbi dos Palmares, símbolo máximo da luta do povo negro por liberdade, travam no dia-a-dia um embate pelo direito à terra.

É uma história de resistência que garantiu a continuidade da existência de centenas de quilombos. Sem dúvida uma sobrevivência sofrida, mas com vitórias. Diante da resistência, tornou-se impossível para o governo brasileiro não responder às demandas desse movimento. Essa situação foi consolidada a partir da afirmação da ação coletiva expressa na realização do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizado em novembro de 1995, em Brasília/DF. As comunidades negras rurais quilombolas alteraram a capacidade de mobilização regionalizada exercitada nas últimas décadas, colocando a problemática do negro do meio rural como questão nacional. Como mecanismo de organização, constituíram a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ).

A CONAQ foi criada no dia 12 de maio de 1996, em Bom Jesus da Lapa/BA, após a realização da reunião de avaliação do I Encontro Nacional de Quilombos. Da referida reunião participaram representantes dos quilombos de Frechal/MA, Coordenação Estadual Provisória dos Quilombos Maranhenses (CEQ-MA), Rio das Rãs, Lages dos Negros e Rio de Contas/BA, Conceição das Crioulas e Castainho/PE, Mimbó/PI, Mocambu/SE, Campinho da Independência/RJ, Ivaporunduva/SP, Furnas do Dioniso e Furnas da Boa Sorte/MS, Kalungas/GO e as entidades CCN/MA, SMDH, Grupo de Trabalho e Estudos Zumbi (TEZ/MS), Comissão Pastoral da Terra (CPT/BA), Grupo Cultural Niger Okám-Organização Negra da Bahia, dos Agentes Pastoral Negros (APN’s/GO), Grupo Cultural Afro Coisa de Nego/PI, Movimento Negro Unificado-MNU dos Estados da BA, GO, PE, RJ e DF.

A CONAQ é uma organização de âmbito nacional que representa os quilombolas do Brasil. Dela participam representantes das comunidades quilombolas de 22 estados da federação, com apoio das entidades do movimento negro e entidades ligadas à questão rural, que lutam em defesa dos territórios quilombolas. Durante e após a organização do II Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizado em novembro de 2000, na cidade de Salvador/BA, a Secretaria de Informações da CONAQ funcionou na sede do Centro de Cultura Negra do Maranhão, em São Luís/MA, pelo período de junho de 1997 a fevereiro de 2002. Depois deste período, a Secretaria de Informação da CONAQ ficou funcionando na sede da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ), sob a responsabilidade das próprias lideranças quilombolas maranhense.

Durante o período de abril de 1995 a setembro de 2003, foram realizadas, pelas comunidades quilombolas e entidades do movimento negro brasileiro, várias reuniões nacionais de articulação e mobilização de quilombos nos Estados do Maranhão, Bahia, Pernambuco, Piauí, Ceará, Paraíba, Sergipe, Rio Grande do Norte, Pará, Amapá, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e em Brasília/DF. Estas reuniões tinham como finalidade avaliar e planejar as ações desenvolvidas pela Comissão de Articulação de Quilombos e, também, fazer cobranças aos órgãos federais (Gabinete da Casa Civil, Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, INCRA Nacional e Ministério da Justiça). Foi interposta (junho de 2000), ainda, uma ação judicial junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e representação na Procuradoria Geral da República (6ª Câmara-Brasília/DF), no que se refere à titulação das terras de 50 áreas e políticas públicas para as comunidades negras rurais quilombolas do Brasil.

O fortalecimento deste movimento se deu, neste ano (20 de Novembro de 1995), através do I Encontro Nacional de Comunidades Rurais Quilombolas e com a Marcha Zumbi dos Palmares: Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, ambos os eventos realizados em Brasília/DF, quando o Movimento Negro brasileiro encaminhou uma série de reivindicações ao Governo Federal. Neste passo, várias políticas públicas voltadas à população negra começaram a ser implantadas, como a criação do Grupo de Trabalho Interministerial de desenvolvimento de políticas para valorização deste segmento populacional.

A CONAQ tem como objetivos lutar pela garantia de propriedade de terra, pela implantação de projetos de desenvolvimento sustentável e pela implementação de políticas públicas levando em consideração a organização pré-existente das comunidades de quilombo, em vários estados brasileiros, tais como o uso comum da terra e dos recursos naturais, em harmonia com o meio ambiente, que são referências de vida.

Desta maneira, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos surge não só para reivindicar soluções para os problemas nacionais, mas como movimento político organizado para alterar as relações desiguais historicamente estabelecidas, em defesa dos direitos do povo negro no meio rural.

*Ivan Rodrigues Costa – Coordenador do Projeto Vida de Negro – PVN/CCN-MA (Quilombos e Terras de Preto – 2008) e Ex-Assessor de Articulação e Mobilização da CONAQ no período de julho de 1997 a fevereiro de 2002.

Notas Explicativas: Os nomes CONAQ e ACONERUQ/MA foram sugeridos pelo militante do CCN/MA Raimundo Maurício Matos Paixão. A CONAQ em substituição à Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades de Quilombos e a ACONERUQ em substituição à Coordenação Estadual Provisória dos Quilombos Maranhenses;

Fontes de Pesquisas do Texto: Relatórios de atividades da CONAQ do período de novembro de1995 a fevereiro de 2002 e relatórios do CCN-MA/SMDH/Projeto Vida de Negro (PVN), (Ivan Costa e Maurício Paixão – Técnicos de Pesquisas de Campo do CCN/PVN), São Luís/MA, setembro de 2006;

Bibliografia Consultada

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. Cartografia e Cultura: Territórios dos Remanescentes de Quilombos no Brasil. Universidade de Brasília-UnB/DF, setembro de.1997 a 1999 e maio de 2000.

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