Recusa do governo Hartung leva quilombolas a ocupar o Idaf por terras
Por Ubervalter Coimbra
Mais de 100 quilombolas de Sapê do Norte denunciaram nesta terça-feira (13) que o governo Paulo Hartung se recusou a informar ao Incra e ao Ministério Público onde estão as terras devolutas do seu território. A omissão do governo levou à manifestação em frente ao Instituto de Defesa Agropecuária a Florestal (Idaf) para cobrar as informações.
Caso o governo Paulo Hartung tivesse informado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou ao Ministério Público onde estão as terras quilombolas, eles poderiam ocupar as terras imediatamente e começar a produzir alimentos. A recusa do governo favorece a manutenção da ocupação do território dos quilombolas pela Aracruz Celulose e a Suzano, e por alcooleiras e fazendeiros.
O território negro de Sapê do Norte é formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Com a manifestação nesta terça-feira os quilombolas exigiram ser recebidos pelo diretor-presidente do Idaf, Paulo Sérgio de Azevedo, o Paulinho. Dele cobraram duramente as informações que vêm sendo sonegadas pelo governo.
Ao Idaf cabe identificar as áreas devolutas do Estado. Estas áreas são conhecidas, mas o governo não repassa as informações nem para outros órgãos públicos, inclusive ao Ministério Público, órgão que fiscaliza o cumprimento das leis. Não repassa, pois as terras devolutas por lei devem ser destinadas à reforma agrária, mas estão ocupadas por empresas como a transnacional Aracruz Celulose.
O presidente do Idaf foi obrigado a receber uma comissão de 32 quilombolas, representando as comunidades que restam no Sapê do Norte. O presidente queria falar em seu gabinete com meia dúzia de membros da comissão, mas foi obrigado a receber o grupo na ante-sala de seu gabinete.
Teve de ouvir pesadas críticas da comissão. De todos ouviu: queremos saber onde estão as terras devolutas do nosso território. Teve que ouvir também que os quilombolas vivem em péssimas condições, pois suas terras foram usurpadas pela Aracruz Celulose. A empresa, com seus eucaliptais, degrada a terra, contamina os poucos moradores que resistiram na região e a água com agrotóxicos.
Teve que ouvir ainda que por fazer carvão para atender às suas necessidades básicas, os quilombolas vêm sendo penalizados com multas pelo Idaf. Na defesa do governo Paulo Hartung e do seu secretário da Agricultura, César Colnago, Paulo Sérgio de Azevedo – que é técnico agrícola – acabou admitindo que nada foi feito pelo órgão em termos de identificação das terras.
E assegurou que o secretário Colnago irá autorizar a contratação de equipes para identificar as terras devolutas do Estado. Paulo Hartung está em seu segundo e último mandato e já governa o Espírito Santo há cinco anos e quatro meses.
Em relação às multas, o presidente do Idaf disse desconhecer a questão e que o órgão tem convênios com outros órgãos, como a Polícia Militar Ambiental. E que alguns processos levam meses a chegar ao Idaf. Uma quilombola lembrou que algumas multas têm anos.
Ao dizer que o Idaf não atende aos interesses da Aracruz Celulose, o presidente do Idaf provocou indignação aos membros da comissão. O governo Paulo Hartung tem na empresa uma das principais financiadoras de suas campanhas eleitorais e colocou não só o Idaf como o Incaper a serviço da empresa. Entre outros, aos órgãos da Seag cabe induzir os agricultores ao chamado Programa Produtor Florestal da Aracruz Celulose, com a qual a empresa, na prática, acaba com a autonomia do proprietário enquanto durar o contrato.
Na manifestação em frente ao Idaf, realizada a partir das 11 horas, por alto falantes os quilombolas denunciaram o governo Paulo Hartung como responsável pela violência policial que sofrem. Denunciaram que a ação é orquestrada pelas polícias Civil e Militar, com a milícia armada da Aracruz Celulose, a Visel. Tudo para defender a Aracruz Celulose e seus plantios de eucalipto.
Quilombolas têm direito a mais de 50 mil hectares no Estado
A Aracruz Celulose é a empresa que mais usurpou terras dos negros feitos escravos no Espírito Santo. Para ocupar o território de Sapê do Norte a empresa ou persuadia os quilombolas com falsas promessas de empregos e riqueza nas cidades, ou as tomava à força.
A ação violenta era comandada pelo tenente Merçon, do Exército. A Aracruz Celulose foi instalada há 40 anos, com favores da ditadura militar. A empresa também ocupou e explora terras devolutas, cuja destinação por lei tem de ser para a reforma agrária, como as da fazenda Agril.
Não só os quilombolas e pequenos produtores foram prejudicados pela Aracruz Celulose. A empresa ocupou cerca de 40 mil hectares de terras indígenas. Após os índios realizarem até ações internacionais denunciando a usurpação por parte da empresa, a Aracruz Celulose foi obrigada a devolver 18.027 hectares aos Tupinikim e Guarani no Estado. A Aracruz Celulose é um projeto do empresário norueguês Erling Sven Lorentzen, casado com a princesa Ragnhild, irmã do rei Harald V.
A empresa age ainda com a ajuda de fazendeiros e políticos. A articulação é comandada pelo senador Gerson Camata (PMDB) e visa a mudar a legislação que dá direito aos quilombolas de receber a titulação de terras ocupadas por seus ancestrais.
A articulação de empresas, fazendeiros e políticos levou o governo federal a realizar consulta pública para alterar a Instrução Normativa 20/2005, que reconhece os direitos das comunidades quilombolas no País. Cinqüenta organizações e movimentos de todo o País protestaram contra a consulta, realizada em apenas uma comunidade quilombola.
A IN 20/2005 estabelece o procedimento administrativo para a identificação e titulação dos territórios quilombolas e sua alteração, tal qual deseja o governo, representa um retrocesso na garantida dos direitos das comunidades quilombolas.
Os quilombolas não aceitam comemorações no 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura. Comemoram suas conquistas e a manutenção de suas lutas de libertação no dia 20 de novembro, Dia Nacional a Consciência Negra.
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