Conaq divulga carta de repúdio contra exoneração de subsecretária da Seppir
NOTA DE REPÚDIO
A CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas vem através desta, externar sua indignação e seu repúdio contra a atitude desrespeitosa do Sr. Ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, que anunciou nesta quarta-feira (03/04) a exoneração da Sra. Givânia Maria Silva, Subsecretária da Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SUBCOM/SEPPIR ), desconsiderando todo diálogo feito com essa Coordenação em audiência realizada no dia 04 de março do corrente ano.
É fundamental apresentarmos um resgate histórico sobre a presença da Sra. Givânia Maria da Silva à frente da SUBCOM/SEPPIR. Givânia representava nessa pasta o espaço institucionalizado de diálogo do movimento quilombola, representado pela CONAQ e pelas várias Coordenações, Associações e Federações Estaduais de Quilombos existentes nas diversas regiões do país.
Para muito além de representar um cargo, a vinda de Givânia Silva a esse posto se deu a partir de um objetivo mais amplo que foi o de fortalecer e consolidar as políticas públicas voltadas às comunidades quilombolas a partir das demandas e do diálogo estreito com os próprios sujeitos dessa política, ou seja, com as comunidades quilombolas. Ressaltamos, ainda, que essa construção dialogou com a importância dada a essa política como pilar central desta Secretaria Especial.
A decisão tomada pelo Sr. Ministro, nessa quarta-feira não respeitou também o calendário eleitoral. Como é de conhecimento público, a companheira Givânia é vereadora de segundo mandato, pelo Partido dos Trabalhadores, do município de Salgueiro – PE. Uma vez tomada a decisão coletiva do movimento de que a vinda de Givânia à Seppir era estratégica para a política de quilombos, esta licenciou-se do cargo que ocupava em seu município.
Nos diálogos estabelecidos com o gabinete do Sr. Ministro, foi apontada a necessidade de que, caso viessem a ocorrer mudanças, as mesmas deveriam ser feitas antes do período de prévias dos partidos, para possibilitar a continuidade dos projetos eleitorais das comunidades quilombolas, que têm no mandato de Givânia uma forte representação das suas causas. De modo irresponsável, a exoneração da companheira deu-se posteriormente ao período de prévias dos partidos, contrariando os acordos estabelecidos e impossibilitando a continuidade do projeto de ocupar cargos eletivos em seu município para o próximo período, estratégia tão fundamental às comunidades quilombolas.
Enquanto sujeitos políticos que somos, entendemos perfeitamente como se dão essas costuras políticas, e a necessidade que um gestor tem de efetuar substituições nos quadros que compõem sua equipe. Isso, contudo, não foge à necessidade de estabelecer um diálogo de construção respeitoso e ético com os sujeitos dessa política, no desenrolar de fatores estratégicos como esse.
Repudiamos então, a atitude do Sr. Ministro que coloca em cheque a relação de confiança estabelecida com nosso movimento, uma vez que sua posição foi de que a companheira Givânia Silva não seria alvo de perseguições políticas e que sua continuidade ou não no cargo seria conseqüência dos resultados concretos de seu trabalho. Um mês depois dos compromissos assumidos, a situação se reverte e é resolvida com uma simples conversa inesperada, sem sequer um contato prévio com o movimento, no sentido de informar e justificar o que haveria de acontecer, mesmo que fosse irreversível. O ponto central desse desenrolar é que a preocupação com a condução e fortalecimento das políticas de quilombos pareceu ser a última presente na decisão tomada pelo Sr. Ministro.
Apresentamos nosso grande temor de que essa situação delicada interfira efetivamente nos resultados da política do Governo Federal voltada às comunidades quilombolas, no âmbito do Programa Brasil Quilombola, considerando que:
O diálogo entre SEPPIR e CONAQ inicia-se com um marco de relação que não preza pelo respeito às partes, nem tão pouco pela construção de diálogo conjunto que vise à construção e efetivação das políticas públicas para as comunidades quilombolas;
Há um risco real de que a interlocução entre este Governo e as comunidades quilombolas se dê por meio de organizações não governamentais do movimento negro urbano e representantes quilombolas ligadas à esses grupos, em detrimento da consolidação do movimento quilombola, situação esta vivenciada ao longo da história da SUBCOM/SEPPIR até o 1º semestre de 2007. Denunciamos ainda que essa postura não respeita as legislações que sustentam essa política, tais como a Convenção 169 da OIT.
Os investimentos da Agenda Social e do Programa Brasil Quilombola (PBQ) correm o risco de serem canalizados para esses mesmos grupos citados acima, com o claro objetivo já conhecido de fortalecê-los política e institucionalmente, não atendendo os objetos da política que é o real desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas e de seu movimento na defesa dos seus direitos.
Finalizando esse documento-denúncia, queremos tornar público o risco que corremos de descaso na condução da política para as comunidades quilombolas, sobretudo no que se refere à implementação efetiva do disposto no artigo 68 da Constituição Federal, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como o disposto no Decreto 4887/2003, em relação à efetivação do nosso direito irrevogável à terra.
Diante da difícil conjuntura política que atravessamos, onde a inoperância do INCRA se perpetua por todo Brasil, o governo propõe uma péssima versão de Instrução Normativa em substituição a de n°. 20 do INCRA, piorando consideravelmente os procedimentos administrativos para a regularização fundiária dos territórios quilombolas; o decreto 4887/07 corre o risco de ter seus efeitos anulados por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e também da Câmara dos Deputados; e a articulação contrária da Bancada Ruralista, do agronegócio fortalecidas pela fidelidade da grande mídia aos seus projetos políticos, que continua cada vez melhor orquestrada, sustentados pelos projetos de infra-estrutura do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal), nossa situação torna-se ainda mais delicada.
Queremos dizer com tudo isso que apesar da total insatisfação, a CONAQ, enquanto entidade de representação do movimento quilombola nacional, mantém o diálogo com esse governo, e mais do que isso, não abre mão dessa interlocução, ressaltando que não admitiremos ver mais uma vez nossas comunidades sofrendo um processo de massacre social e político extremo por todo o país, enquanto nossa política e os recursos públicos nelas aplicados servem apenas para financiar “interesses” de grupos políticos cuja prática não traduz nenhum compromisso com a política quilombola.
Atenciosamente,
Ronaldo dos Santos
Coordenador Executivo da CONAQ