Pressões e empreendimentos turísticos ameaçam titulação de Sibaúma
Por Rosa Peralta*
No dia 27 de fevereiro, o Ministério Público Federal (MPF) realizou uma vistoria em Sibaúma, território quilombola situado no município de Tibau do Sul (RN), que se encontra em processo de regularização fundiária pelo Incra/RN.
Estiveram presentes os procuradores Dr. Fábio Nesi Venzon, 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, e Dra. Caroline Maciel da Costa, 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF – Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas. Os procuradores foram acompanhados por representantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Secretaria de Patrimônio da União, do Iphan e do Ibama.
Ameaças e construções ilegais em território quilombola
O objetivo da vistoria foi analisar a situação do patrimônio arqueológico e ambiental do território quilombola, em particular a localização de um hotel de luxo chamado Kilombo, construído em 2006, mesmo com o processo aberto no Incra/RN. O hotel está situado na área tradicionalmente ocupada pela população quilombola e numa falésia, que constitui área de preservação ambiental permanente. A propaganda do empreendimento anuncia ainda uma praia privada onde há desova de tartarugas. Contrariamente ao que está divulgado no site, nenhuma ação de preservação do meio ambiente foi constatada. O resort, destinado ao turismo internacional, oferece atendimento diferenciado a seus clientes com diárias em torno de mil reais. Enquanto isso, várias famílias vivem em condições precárias, em casas de taipa, sem acesso à água ou luz elétrica. Enquanto isso, o SPA Kilombo utiliza, indevidamente, a imagem da população local, tirando proveito financeiro da referência à cultura ancestral dos descendentes do ‘velho Leandro Barbosa’.
Situada ao lado de Pipa, Sibaúma é local de especulação fundiária desenfreada: terrenos continuam sendo vendidos e cercados, construções estão sendo realizadas sem que os proprietários se sintam ameaçados pela perspectiva da regularização das terras quilombolas pelo Incra.
Há ainda promessa de empregos para os quilombolas na implementação do empreendimento “Nova Pipa”, cujo início já está sendo anunciado. Um vídeo, disponível na internet no site YouTube, traz imagens filmadas em novembro de 2007 por um cinegrafista amador que mostram construções sobre dunas e falésias. Inclusive é possível ver uma das pousadas de Sibaúma que foi construída em cima do antigo cemitério quilombola, conforme indicado no relatório antropológico coordenado pela antropóloga da UFRN Julie A. Cavignac.
Finalmente, o Ministério Público Federal foi averiguar se os moradores de Sibaúma estão sendo pressionados para desistir do processo de titulação da área como quilombola. Devido a conflitos internos, o processo de regularização fundiária não avançou desde a entrega do relatório antropológico ao Incra, em dezembro 2006.
Além disso, apesar de se reconhecerem como quilombolas e representarem a comunidade em eventos nacionais, algumas lideranças se tornaram contrárias à titulação do território tradicional e deturpam informações repassadas pelos representantes dos órgãos federais. Existe ainda suspeita de desvio de cestas básicas destinadas à população; e a grande maioria dos moradores não conhece o Programa Brasil Quilombola ou não sabe do destino de benefícios recebidos por falta de acesso à informação.
Perspectivas
No encontro realizado no dia 27 de fevereiro com alguns moradores de Sibaúma, a procuradora Caroline Maciel iniciou a coleta dos nomes de quilombolas que querem a titulação das terras. Entretanto, poucas foram as pessoas que manifestaram publicamente seu desejo de continuar fazendo parte do processo, devido, em parte, à presença de empreendedores na reunião. Dra. Caroline aproveitou a ocasião para lembrar o papel do MPF na garantia dos direitos das minorias, do interesse coletivo e do acesso ao meio ambiente para as gerações futuras.
A vistoria deve surtir efeitos positivos entre os quilombolas, sobretudo para os que estão receosos de se posicionar a favor do processo. Outras visitas conjuntas estão sendo pensadas para coletar mais nomes e colaborar com o Incra/RN no cadastramento das famílias que irão participar do processo de regularização territorial.
Espera-se ainda que o MPF atue de forma a frear as construções ilegais que violam os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais dos quilombolas, assim como de toda a população do entorno.
*Assistente do Programa Egbé Territórios Negros e do OQ
KOINONIA