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Pesquisador aponta erros em matéria contra quilombolas da Isto É

Leia a seguir o artigo do Profº Drº Rafael Sanzio Araújo dos Anjos, que chama a atenção para a interpretação errônea que o artigo publicado na Isto É faz de dados sistematizados pelo Projeto Geografia Afro-Brasileira acerca dos territórios quilombolas. A revista utilizou um mapa produzido pela pesquisa do professor para dar a impressão de que os territórios reivindicados pelos quilombolas correspondem a uma área muito maior do que a que realmente abrangem.

Além disso, o artigo questiona a identidade quilombola de algumas comunidades do Brasil, como a Ilha da Marambaia.

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Prezado (a) Senhor (o),

Inicialmente, gostaria de expressar o meu reconhecimento, pelo papel histórico da revista “Isto É” na formação das idéias da população brasileira, referente ao Artigo 70966-1 publicado na edição 1995 (30/01/2008), com o título “O conto dos quilombos – supostos descendentes de quilombos reivindicam uma área maior que o estado de São Paulo”. Sobre a referida matéria, escrita pelo jornalista Sérgio Pardellas, algumas considerações são relevantes:

1. A cartografia, referência básica nos processos seculares de dominação e apropriação territorial, continua sendo, no mundo contemporâneo, um dos mais importantes instrumentos para a transmissão dos conhecimentos e representação do que acontece no território e, portanto, uma das melhores ferramentas para a “cultura geográfica” na sociedade civil, mesmo com alguns avanços no sistema educacional, o Brasil, ainda é um país com pouca “cultura de espaço” e, neste sentido, os mapas publicados nas revistas de grande circulação são importantes para minorar a nossa “ignorância cartográfica” entretanto, para os mapas cumprirem a sua função social, se fazem necessários alguns componentes importantes, tais como, a fonte dos dados e a autoria do mesmo, estes são elementos fundamentais para a credibilidade do documento cartográfico;

2. Para entendermos os desdobramentos do sistema escravista no Brasil, é necessário lembrar que este foi o último território da América a abolir a Escravidão; foi o maior importador forçado de populações africanas para o “novo mundo” durante quase quatro séculos; foi aqui onde se desenvolveram os mais extensos ciclos econômicos estruturados no trabalho e na tecnologia oriundos da África e, no século XXI é no nosso país onde se registraram as piores estatísticas de discriminação sócio-espacial da América Latina. Este é um “preâmbulo” para entendermos porque as questões das Comunidades Quilombolas contemporâneas, continuam incomodando um “Brasil Colonial” que persiste em se manter nas referências dos séculos passados. A maneira como o assunto é tratado, com tamanho desprezo (o conto dos quilombos… supostos descendentes de quilombolas…) diz, muita coisa! O ponto estrutural dos quilombos contemporâneos no país continua sendo a definição da fronteira secular, não resolvida e, neste sentido, a cartografia tem um papel estratégico. Poderíamos perguntar, por exemplo: onde está a cartografia oficial dos quilombos no Brasil ou o mapa do setor decisório, sobre os quilombolas? Não temos resposta!

3. O mapa apresentado no artigo do Srº Sérgio Pardellas não cita fonte e nem o autor. Existe uma interpretação errônea das áreas informadas como terras reivindicadas pelos quilombolas (manchas laranjas no “mapa da Isto É”). Estes espaços em destaque correspondem, na realidade, aos limites retirados do “Mapa dos Registros Municipais dos Territórios Quilombolas do Brasil – 2005”, elaborado pelo Projeto Geografia Afro-Brasileira, a fonte dos dados sistematizados e mapeados foi oriunda de três instâncias básicas: organismos oficiais da esfera federal e estadual; informações existentes nas principais universidades públicas e privadas do país e dados oriundos da rede de entidades Afro-brasileiras. Importante informar que 40% da edição publicada, em parceria, foram destinados a setores governamentais (várias esferas), educacionais (bibliotecas de universidades) e algumas sedes de instituições brasileiras de matriz africana. Por isso, é importante uma correção na informação espacial distorcida, interpretada de maneira errônea, mas informada em larga escala para a sociedade brasileira;

4. Os quilombos contemporâneos apresentam sim, complexidades e necessidades de ajustes técnicos nos procedimentos administrativos para reconhecimento e titulação dos seus territórios, entretanto, mais importante que uma “queda de braço”, é a constatação crescente no Brasil, da sua matriz preconceituosa, ainda não resolvida com relação ao continente africano, as populações da África e seus seres humanos afro-brasileiros e, sobretudo, o retrocesso da desinformação contribuindo para a segregação étnico-territorial no Brasil e não para a sua inclusão.

Muito obrigado pela atenção!

Bruxelas, 07 de fevereiro de 2008.

Profº Drº Rafael Sanzio Araújo dos Anjos

Projeto Geografia Afro-Brasileira: Educação & Planejamento do Território

Leia artigo da Isto É:

Isto É contesta direito quilombola à auto-identificação (29/1/2008)

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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