Artigo é contra critério de auto-identificação para processos quilombolas
Quilombos e escândalos
Por Josemar Dantas
Advogado e jornalista
Pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2004 Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pelo ex-PFL, hoje Democratas (DEM), para sepultar como atentatório à Constituição o Decreto presidencial nº 4.887/2003. O ato baixado pelo Executivo dispôs sobre os pressupostos para a identificação de quilombos e reconhecimento aos quilombolas da propriedade
das respectivas áreas. Mas a admissão de amplas facilidades em benefício de pessoas com supostas condições ao direito provocou verdadeira corrida à ocupação de terras com fundamento no mencionado decreto.
Em casos cada vez mais freqüentes, converteu-se a regularização fundiária em favor de comunidades quilombolas em instrumento de tramóias nas mãos de espertalhões. Pelas regras sancionadas no ato normativo baixado pelo presidente da República – o já falado Decreto 4.887/2003 -, basta pessoas se
declararem negras para requerer e obter a propriedade de áreas que ocupem, inclusive em zonas urbanas. O processo para desapropriá-las se inicia na Fundação Palmares e, em seguida, se encerra no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Laudos antropológicos fornecidos por ONGs ou especialistas envolvidos em movimentos populares são suficientes para assegurar o êxito da desapropriação.
O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(Constituição de 1988) estabelece o seguinte: Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ao tempo, menos de 100 quilombos eram reconhecidos. Hoje, vão além de 4 mil. Por força do malsinado decreto, tais territórios se criam da
noite para o dia.
O caso mais escandaloso se deu, faz pouco, com a intimação feita pelo Incra à Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. A instituição estabelecida na zona portuária do Rio de Janeiro (Praça Mauá) mantém escola para 1.070 alunos – da educação infantil ao ensino médio. Seus títulos de propriedade datam de 1704, mais suporte de senhorio direto da área
inscrito em documento emitido em 1821 pelo príncipe regente. Mais grave é que a retomada do espaço urbano é feita por cinco pessoas que invadiram uma casa. Desejam apoderar-se de nada menos de 70 propriedades – valor médio de cada uma, R$ 250 mil.
É lastimável que abusos do gênero se originem de um decreto que, além de vulnerável a interpretações fraudulentas e a provas desnudas de consistência jurídica, é inconstitucional. Em nenhuma circunstância é admissível que ato normativo do presidente da República tenha suficiente substrato legal para
regulamentar dispositivo da Constituição.
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