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Quilombolas, quem tem medo de auto-reconhecimento?

Brejão dos Negros no Baixo São Francisco sofre ataque da Globo e dos latifundiários

Numa conjuntura adversa, onde cada vez mais se domina a terra e a água, há sinais de levante de populações tradicionais, como quilombolas e indígenas, que receberam pouco em troca do que deram ao país. Essas populações são vítimas da violência e impactos dos currais políticos, cercas, missões colonizadoras, grandes projetos que ameaçam seus territórios até hoje – como barragens e transposição – além da discriminação e dominação, historicamente impostas.

Para o resgate da legitimidade da identidade e a garantia dos territórios, que aos poucos vêm sendo recuperados, as Comunidades Quilombolas da Bacia do São Francisco também carregam a herança escravocrata e sofrem as dificuldades de assumir essa condição.

É importante, porém, entender essa condição de quilombola como direito garantido. Segundo o que diz a Constituição Federal (CF) de 1988, o termo quilombo não está mais atrelado a condição de negros fugidos da escravidão. O Observatório Quilombola afirma que hoje, o termo é usado para designar a situação dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos no Brasil, fazendo referência a terras que resultaram da compra por negros libertos; da posse pacífica por ex-escravos de terras abandonadas pelos proprietários em épocas de crise econômica; da ocupação e administração das terras doadas aos santos padroeiros ou de terras entregues ou adquiridas por antigos escravos organizados em quilombos. Nesse contexto, os quilombos foram apenas um dos eventos que contribuíram para a constituição das terras de uso comum, categoria mais ampla e sociologicamente mais relevante para descrever as comunidades que fazem uso do artigo constitucional.

O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da CF, afirma que aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos.

Sendo legítimo o direito ao auto-reconhecimento, a identidade quilombola se define não apenas pela questão da pele, mas pela cultura, modo de ser, de produzir e pela mistura. Essa identidade se fortalece ao se autodefinir e é ferramenta de luta para garantir os direitos fundamentais de índios, quilombolas, pescadores artesanais, ciganos, etc.

Entretanto, só quem pode se auto-definir individual ou coletivamente é a própria família ou indivíduo. Esse auto-reconhecimento é o dialogo entre o saber e o ser. É por isso, que a raiz de um povo ninguém pode tomar, negar ou questionar, por se tratar da historicidade, construção da própria identidade.

É o que acontece com os Quilombolas da Comunidade do Brejão dos Negros, município de Brejo Grande (SE), organizados na Associação Santa Cruz. É um grupo de famílias em busca do resgate da própria identidade quilombola e que, por causa dessa construção, conquistou o direito de certificação, homologado pela Fundação Cultural de Palmares e que, portanto, busca o legitimo direito ao seu território tradicional.

No entanto, o processo de luta no Brejão dos Negros tem desafiado o medo. Medo do povo que sempre sofreu com processos de subserviência e discriminação, é pressionado pelos detentores do poder e pelos grandes posseiros da região a negar sua identidade. Esses também sentem medo, não querem perder as regalias da propriedade e acurralam com cercas e arames as terras que, por direito, devem pertencer aos quilombolas assumidos.

Por causa disso um processo repressivo e de desqualificação da condição de quilombola tem sido estimulado pelos meios de comunicação, como a rede Globo, com séries de reportagens preconceituosas. No Brejão dos Negros, o poder político local, aliado a magistrados, tem o domínio da propriedade de terra na região e não admite a autodefinição.

Por esta razão, famílias que ainda não se assumiram quilombolas são instigadas a se voltar contra o grupo auto-definido. Ao mesmo tempo, o poder local cria processos de constrangimento às famílias quilombolas, de forma agressiva e injuriosa. A perseguição e ameaças se estendem ao Padre Isaias Nascimento, coordenador da Cáritas Diocesana de Própria (SE), que acompanha a área. A entidade tem como missão defender os excluídos para buscam liberdade e solidariedade.

As famílias do Brejão dos Negros têm a legitimidade, assim como qualquer outra comunidade tem, de se auto-reconhecer e firmar a identidade delas para garantir os direitos, conforme o que está previsto no decreto número 4.887, de 2003, a autodeterminação e possuir um território de reprodução física, social, econômica e cultura, livres do latifúndio, das cercas, da submissão e do medo.

Alzení Tomáz

É membro do CPP NE – Conselho Pastoral dos Pescadores e faz parte da Articulação Popular do Baixo São Francisco CPT/CPP.

 

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

 

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