Governo promete PAC para quilombolas
O PAC dos Quilombolas surge com o objetivo de reestruturar os programas relacionados às comunidades descendentes de escravos, com a facilitação do acesso aos recursos relacionados às atividades produtivas, atenção à saúde, educação, saneamento e questão fundiária (delimitação e titulação das áreas quilombolas).
“O programa será lançado em setembro, mas a revelação do tamanho do repasse e de quantas comunidades quilombolas serão beneficiadas acontecerá apenas no dia da solenidade de divulgação do PAC Quilombola”, garante a diretora da subsecretaria de políticas para comunidades tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Maria Palmira. Ela afirma que a data exata da cerimônia ainda depende da agenda do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Maria Palmira admite que já tem todas as informações sobre o programa, mas, por enquanto, a única coisa que pode revelar é que o lançamento acontecerá em Brasília e ainda este mês.
O assessor de políticas indígena e socioambiental do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Ricardo Verdum, explica que o Governo Federal já apresentou, no fim de agosto, o Plano Plurianual e também o Projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2008. “O executivo encaminha o projeto do PAC Quilombola ao Congresso Nacional, que tem até o fim de 2007 para votar. Em seguida, acontecem audiências públicas”. Ricardo Verdum faz uma alerta: “os movimentos sociais têm que estar atentos para questionar e propor. Nesse período são feitas emendas através de parlamentares aliados, ampliando metas e orçamentos”.
O assessor do Inesc lembra que há comissões de legislação participativa na Câmara e no Senado, para as quais organizações da sociedade civil podem apresentar uma proposta de emenda para que se aumente os recursos e metas do programa. “Com isso há negociações no Congresso Nacional até o final do ano, então é preciso pressionar deputados e senadores para exigir direitos, acompanhando audiências e sabendo das articulações de outros setores”, enfatiza.
No Brasil há 3.524 comunidades quilombolas identificadas, mas apenas 525 possuem processos de regulamentação fundiária no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ricardo Verdum considera que o reconhecimento dos territórios é importante para os quilombolas não ficarem à mercê de fazendeiros, grileiros, rodovias e pressões econômicas. “A terra é a base da identidade dessas comunidades”, afirma.
O descaso evidenciado
Com o relatório “Orçamento Quilombola: Governo Federal Orça, Mas Não Gasta” o Inesc comprovou que a metade do orçamento destinado às políticas públicas nas comunidades quilombolas não foi utilizado nos últimos três anos. Ricardo Verdum afirma que é preciso mais transparência na execução das ações e considera que a questão fundiária foi o que mais pesou para o insucesso. “O dinheiro não foi usado porque o trabalho de identificação não era feito ou parava na burocracia e não ia para a titulação”. O assessor do Inesc lamenta: “Foi falta de vontade para tomar decisões e de organização para criar os instrumentos para viabilizar”.
A pesquisa comprova também que, entre 2004 e 2006, o governo deixou de investir 100,62 milhões de reais em ações relativas ao reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas. Até junho de 2007, somente 6,39% do orçamento anual foi investido, o que corresponde a R$ 5,9 milhões dos R$ 92 milhões orçados. Nos últimos cinco anos, apenas cinco territórios foram reconhecidos.
O Direito à Terra
A técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Julianna Malerba, explica que grande parte dos quilombos no Brasil é constituída por populações que ficaram excluídas do processo de desenvolvimento. Por isso a lei prevê para os quilombolas o direito à terra. Esse título é coletivo, inalienável e indivisível. “O artigo 68 da Constituição prevê o direito ao território para comunidades tradicionais negras. É uma política que responde à exclusão histórica de um grupo da população, cujos beneficiários, na maioria, vivem em condições precárias. Então, é uma política de promoção de justiça social e de manutenção de uma cultura que é parte da identidade brasileira”, esclarece.
O caso Marambaia
Quando o assunto é quilombo, as dificuldades são muitas. No Quilombo de Marambaia, por exemplo, o Incra chegou a publicar, em 14 de agosto de 2006, no Diário Oficial da União, o reconhecimento da área como quilombola, passo necessário para a titulação. Mas, no dia seguinte, em 15 de agosto de 2006, o Incra tornou a publicação sem efeito por ordem da Casa Civil. Além disso, o Incra cadastrou 271 famílias vivendo em Marambaia. Mas, com tantas dificuldades impostas, hoje há apenas cerca de 161.
O Quilombo da Ilha de Marambaia fica no litoral sul do Rio de Janeiro, na Baía de Sepetiba, município de Mangaratiba. Lá não há luz elétrica, a população depende do barco da Marinha para entrar e sair e a única escola atende apenas até a quarta série do ensino fundamental. Depois da década de 70, a ilha foi repassada da União para a Marinha, que desde então tem tentado retirar os quilombolas de lá. Foi assim que começou o processo de expulsão, com a reintegração de posse para a Marinha, do que já pertencia aos descendentes de escravos. Famílias chegaram a sair e casas foram demolidas.
Cotidiano
A técnica da Fase, Julianna Malerba, conta que os quilombolas de Marambaia são pescadores e muitos vivem da pesca e da coleta de mariscos. Além do mar, a grande maioria tinha nos roçados uma fonte de subsistência. Com os treinamentos militares, as roças foram sendo abandonadas, em função das constantes invasões durante os treinamentos de sobrevivência dos recrutas. Hoje há apenas três roçados em toda a ilha.
Julianna Malerba conheceu de perto o dia-a-dia dos quilombolas de Marambaia. “A Marinha determina tudo, horário de entrada e saída, se pode ou não construir. Como manter a tradição num ambiente de restrições?”, protesta. “Existe atualmente a tentativa de se formar uma opinião pública contrária ao direito constitucional dos ilhéus ao seu próprio território, acusando-os de por em risco a preservação ambiental da ilha e até sugerindo que a titulação levaria a uma favelização da área”. A técnica da Fase considera que há uma dose muito grande de preconceito por trás dessa idéia. “Além de ignorar o fato de que o título da terra é coletivo e inalienável, essa acusação dirigida a uma população negra e pobre mostra a permanência da discriminação social e racial que ajuda a manter a desigualdade e a injustiça no nosso país”. Julianna Malerba finaliza: “É bom lembrar que mesmo diante dos treinamentos militares, que incluem o uso de tanques e tiros reais, o modo de vida dos ilhéus, baseado na pesca e no cultivo, tem mantido a ilha preservada há mais de um século”.
Por Júlia Gaspar, especial para a Rets.
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