TRF suspende efeitos de sentença a favor de quilombolas da Marambaia
TRF suspende efeitos de sentença sobre disputa entre união e supostos descendentes de quilombolas
O Plenário do TRF da 2ª Região suspendeu hoje, 6 de setembro, por maioria, efeitos de uma sentença da Justiça Federal de Angra dos Reis (sul fluminense), que obriga o Comando da Marinha a tolerar a permanência dos integrantes identificados da comunidade negra Marambaia dentro das áreas que ocupam na área objeto de litígio, abstendo-se de adotar qualquer medida que vise à retirada dos mesmos, ou à destruição ou danificação de suas casas e construções, bem como permitir o retorno dos integrantes da referida comunidade que foram desalojados por força de medidas judiciais ou extrajudiciais por ela intentadas e, ainda, tolerar que os moradores da comunidade em questão mantenham seu tradicional estilo de vida, não cerceando seu direito de cultivar roças nas áreas que ocupam, podendo reformar ou ampliar suas casas e ainda construir no interior de suas terras casas para seus descendentes. A decisão foi proferida em agravo apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF), que pretendia assegurar a aplicação imediata dos efeitos da sentença.
Segundo informações dos autos, na ilha da Marambaia vive uma comunidade de cerca de 380 pessoas, que alegam ser descendentes de escravos, que teriam se refugiado no local e lá fundado um quilombo. A comunidade, dizem, estaria instalada desde 1850, mas essas afirmações ainda não foram confirmadas pelo Instituto Nacional da Colonização e da Reforma Agrária (Incra), que há cerca de oito anos vem realizando um estudo para demarcar a região que seria destinada aos supostos membros da comunidade quilombola. Concluído o trabalho, eles receberiam o título de propriedade coletiva. A ilha da Marambaia foi adquirida pela União Federal em 1905.
Após a sentença de 1º grau, a União Federal (que representa judicialmente a Marinha) apresentou uma petição à Presidência do TRF, que então suspendeu os efeitos da decisão da 1ª instância, até o trânsito em julgado da ação civil pública. O pedido foi analisado, no dia 9 de agosto, pelo presidente em exercício na data, desembargador federal Sérgio Feltrin. Foi contra essa decisão da Presidência que o MPF apresentou o agravo julgado pelo Plenário do Tribunal.
A ação civil pública fora proposta porque, os presumíveis quilombolas estariam ameaçados de serem removidos do local pela Marinha. Entre outras alegações, a União sustentou que não pretende retirar os moradores que atualmente vivem na comunidade. Apenas, assegurou, não quer permitir que sejam erguidas novas construções na área. Informações juntadas ao processo dão conta da existência de uma listagem, elaborada pelo Incra, com centenas de nomes de pessoas que seriam descendentes de quilombolas e que poderiam se instalar na ilha. Para a União, isso poderia resultar em riscos para o meio ambiente, com a favelização da área ou com o favorecimento da especulação imobiliária.
Já o MPF rebate essas alegações, afirmando que o risco não existiria, já que a listagem do Incra limita o número de pessoas que poderiam retornar ao hipotético quilombo. Também não haveria ameaça ao meio ambiente, considerando que os residentes viveriam da pesca artesanal e de pequenas roças, em harmonia com a natureza. Além disso, sustentou, a área total ocupada pela comunidade não ultrapassa um terço da ilha.
O relator da causa, o presidente efetivo da Corte, desembargador federal Castro Aguiar, lembrou que ainda há um pedido de embargos de declaração para ser julgado pelo juiz de 1º grau. Além disso, de acordo com a legislação processual, o processo deve ser submetido, necessariamente, ao duplo grau de jurisdição, ou seja, o mérito da causa deve ser analisado pelo TRF. Com isso, no entendimento do magistrado, não é possível permitir que a sentença comece a produzir efeitos imediatamente. O desembargador ressaltou que a União não pretende expulsar os moradores nem destruir suas casas, mas apenas impedir o crescimento desordenado da comunidade, e que a questão é muito complexa e exige vários esclarecimentos. Por exemplo, destacou, a própria questão de se aquela comunidade é ou não descendente de quilombolas é controvertida, já que a área foi, no século 19, um dos maiores postos de comercialização de escravos da província. Para o desembargador Castro Aguiar, é de estranhar que escravos fugitivos se escondessem no próprio local, correndo o risco de serem facilmente recapturados.
O direito à demarcação de terras em favor de descendentes de quilombolas é definido no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e regulamentado no decreto nº 4.887, de 2003. O presidente do TRF lembrou que o decreto é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta em 2004 e ainda não apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.
Proc. 2007.02.01.0098588
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