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Grupos reafirmam identidade cultural em comunidades tradicionais e assentamentos

Cultura sem fronteiras

Quando o homem desbrava a terra, ele não encontra somente mais terra, amplia seu mundo. Há 57 anos de quando o economista Celso Furtado afirmou que “o problema do Brasil não é a seca, é a cerca” e se a cultura não pode ser delimitada por cercas ou preconceitos, é justamente a luta pela derrubada destes que têm movido grupos culturais pelo Ceará e outros recantos. A luta pela reafirmação da identidade é uma aliada no alto nível de organização cultural de algumas comunidades, seja nos assentamentos rurais, reivindicadores da reforma agrária; ou grupos indígenas e negros quilombolas. A cultura é sujeito e objeto no processo de mobilização social. Pela primeira vez nos III Encontro dos Mestres do Mundo, grupos de assentados são convidados e fazem a diferença, prova viva de quando a cultura pode ser “de baixo para cima”.

Nada mais realista do que as dramistas do assentamento Lagoa do Mineiro, em Itarema. Mantendo a tradição, lá tem drama, dança do coco, bumba meu boi, teatro de jovens etc.. Mas duas décadas de luta, e mortes, pela terra – a comunidade está situada no Litoral Oeste e foi vítima da especulação imobiliária – dão clareza do amor que essa gente emprega à cultura por meio da própria história. “O processo de organização social, devido à luta pela terra, facilita a união da comunidade, e isso é um passo para a organização cultural. Eu não tenho medo de dizer que os assentamentos são os movimentos de cultura mais organizados no Ceará”, defende Silma Magalhães, coordenadora do Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária, do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Como em Lagoa do Mineiro, muitos outros assentamentos rurais no litoral cearense sofrem perseguição de empresários. ´Mas é por meio da cultura que os assentados estão se defendendo´, explica Silma. De fato, ainda na Lagoa do Mineiro, que se apresentou no penúltimo dia do Encontro Mestres do Mundo, o teatro conta as tragédias e alegrias vividas pela comunidade, na qual muitos agricultores foram executados em crimes de pistolagem porque “insistiam demais” pelo acesso à terra

Aprovação em editais da Petrobras, do Banco do Nordeste e seleção em Pontos de Cultura, pelo Ministério da Cultura, têm aumentado a visibilidade cultural dos movimentos sociais. E ao contrário da reclamação de muitos mestres da cultura locais, de que a própria comunidade não valoriza a tradição, são os próprios assentamentos que se mobilizam. Os jovens do teatro do Assentamento Barra do Feijão, de Tabuleiro do Norte, não iam se apresentar, mas arranjaram um transporte para conferir o Encontro dos Mestres e conferir as manifestações tradicionais dos outros assentamentos. Em Canindé, assentados criam a Associação de Cultura e logo se erguerão as “Casas de Cultura Comunitária”.

Organização e cultura

O nível de organização dos assentamentos, configurados na luta social, econômica e política, refletindo-se na cultura, tem levado essas comunidades, e o próprio Incra, a sugerir propostas de políticas públicas ao Secretário Estadual de Cultura, professor Auto Filho. ´A idéia é criar uma Rede de Cultura, integrando os ´povos da terra´. Começaríamos pelos Pontos de Cultura, interligados num ´Pontão de Cultura´´, explica Silma Magalhães, acrescentando que uma carta-proposta foi entregue ao titular da Secult em maio deste ano. ´Mas até agora não obtivemos nenhuma resposta´, diz.

O modelo sugerido por Silma já acontece em outras áreas, além da cultura, pelo País. Trata-se dos consórcios públicos, a gestão integrada em que vários grupos (comunidades, municípios ou Estados) reúnem-se para distribuir, literalmente, receita e despesa de seus projetos. Por exemplo, a união de vários municípios para realizar um grande evento cultural. O que seria difícil isoladamente torna-se mais viável coletivamente.

Terra e identidade

Mas não foi só a luta pela terra uma grande novidade no Mestres do Mundo. Negros, índios, ciganos, todos tiveram espaço. O Jongo da Serrinha, do Rio de Janeiro, trouxe a única parte alegre das senzalas para os palcos do evento – a dança, o gingado, a música. “Viemos mostrar todo o nosso valor, o valor da cultura negra, que trouxemos dos nossos ancestrais africanos. Aqui é só alegria e enquanto for viva eu tô brincando”, diz uma dançarina do jongo. De um pouco mais pra longe, e, ao mesmo tempo, daqui mesmo, a cantora africana Isa Pereira, de Cabo Verde, mostra a multiplicidade de ritmos afro. “Aqui está uma parte da nossa cultura, mas da cultura brasileira também, pois foi das Ilhas de Cabo Verde que saíram os escravos que cá vieram”. Com exceção do sotaque português do colonizador – há 32 anos Cabo Verde conquistou sua independência -, Isa mais parecia uma brasileirinha. Linda, cheia de graça, e do nosso sangue. (MJ).

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>  

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