Retomada de terras da Aracruz por quilombolas tem apoio de ONGs
Por Ubervalter Coimbra
A retomada pelos quilombolas de parte do seu território ocupado e explorado há 40 anos pela Aracruz Celulose é apoiada por diversas entidades, como igrejas, organizações de defesa dos direitos humanos, de trabalhadores e ONGs. Nesta terça-feira (24), a reocupação do território de Linharinho, em Conceição da Barra, por cerca de 500 descendentes dos escravos negros, completou dois dias.
Ao meio-dia desta, Maria Aparecida Marciano, da Comissão Quilombola de Sapê do Norte, relatou que uma viatura da Polícia Militar esteve no local da reocupação, mas só observou o movimento. Da mesma forma, a Visel, milícia armada da Aracruz Celulose, está observando os ocupantes, mas de longe: ainda não houve agressão física aos quilombolas, como foi registrado em diversas outras ocasiões.
Linharinho é território negro, segundo confirmou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em edital. A publicação do edital é uma etapa do processo de reconhecimento e devolução das terras de quilombo aos descendentes dos escravos negros, como determinam a Constituição Federal e a legislação complementar.
Maria Aparecida Marciano informou não ter como precisar qual foi a área que os quilombolas retomaram da Aracruz Celulose, empresa que se apossou e explora, com plantios de eucalipto, o território dos negros há quatro décadas. Destacou queo assentamento que será criado no local pelos negros já tem cerca de dez barracos.
Para tomar as terras dos quilombolas (cerca de 50 mil hectares), dos índios (40 mil hectares) e ocupar terras devolutas – que têm de ter destinação social -, a Aracruz Celulose empregou a força, ou seduziu as pessoas com falsas promessas de emprego e bem estar social nas cidades. Os que venderam suas terras a preços vis passaram a ocupar as favelas nas periferias das cidades.
Na violência contra os negros, índios e trabalhadores rurais, a Aracruz Celulose, fundada por um membro da Coroa Norueguesa, contou com favores da ditadura militar e dos governos do Espírito Santo, como o de Arthur Carlos Gehardt. Santos, governador biônico (não eleito pela população).
Para plantar seus eucaliptais, a Aracruz Celulose destruiu somente no Espírito Santo 50 mil hectares da mata atlântica, acabando com sua biodiversidade. A empresa explora e degrada há 40 anos as terras que arrecadou no Espírito Santo.
É a ocupação que permitirá a construção do primeiro assentamento dos quilombolas em seu território que as entidades estão apoiando com seu comunicado, distribuído à imprensa nesta terça-feira. Assinam a Comunidade de Linharinho, Comissão Quilombola do Sapê do Norte, Conaq, MST, MPA, ACA, Via Campesina, MNDH, Rede Alerta Conta o Deserto Verde, DCE-Ufes, Nação Hip Hop, Anarkopunks, Igrejas, Comissão Pastoral da Terra, Fase-ES e Brigada Indígena.
Bem Vindos ao Quilombo Linharinho
Este é título do texto de apoio aos quilombolas, cuja íntegra vai abaixo:
Reunindo centenas de famílias quilombolas de todo o Sapê do Norte, de Conceição da Barra e São Mateus, e movimentos sociais e colegas de diferentes entidades e redes de todo o Espírito Santo, o Quilombo de Linharinho é uma proposta e uma experiência de retomada do território quilombola de Linharinho.
Um ano atrás, em 29 de Julho de 2006, realizamos uma grande mobilização de negros e negras, quando da retomada simbólica do cemitério quilombola de nossos antepassados, coberto pelos eucaliptais da Aracruz Celulose. Naquela época, a empresa conseguiu na Justiça uma reintegração de posse, e o governador Paulo Hartung disponibilizou seus policiais de choque, fazendo prevalecer os interesses do lucro e da monocultura de eucalipto sobre toda jurisdição já constituída a respeito dos direitos quilombolas, principalmente a Convenção 169 da OIT, os artigos 215, 216 e 68 da Constituição Brasileira de 1988, além do decreto 4887 de 2003. O chamado Estado democrático dos direitos, repetindo a história da colônia, do império e das velhas oligarquias, nos forçou a retirada. Mas nunca desistimos da luta por nossas terras, por nossa cultura, por nossas matas, por nossos antepassados, por nossos descendentes que chegam.
Em todo o Sapê do Norte, no final dos anos 60, eram ainda 12 mil famílias de afrodescendentes habitando em comunidades quilombolas, cerca de 60 mil negros e negras. Com a chegada da Aracruz Celulose, restaram apenas 1.200 famílias.
Depois de destruir nossas florestas de mata atlântica, de secar e poluir nossos rios e córregos, depois de envenenar nossas caças e de expulsar nossas famílias para as favelas e periferias dos centros urbanos, a Aracruz Celulose ainda nos criminaliza pela retirada do facho e do resíduo de eucalipto para produção de carvão, última alternativa de renda para mais de 1 mil quilombolas, em São Domingos, Roda dÁgua, São Jorge, e Angelins, etc. As plantações de rápido crescimento da Aracruz Celulose têm afetado diretamente nossa segurança alimentar e acesso à água, e não nos permite trabalho.
Agora o momento é outro. Por todo o Sapê do Norte se espalhou a notícia da portaria ministerial de Linharinho, publicada no Diário Oficial da União no dia 14 de Maio de 2007, assinada pelo presidente do Incra, Sr. Rolf Hackbart, a portaria reconhece 9.542,57 hectares do território ancestral quilombola de Linharinho. 82% de toda essa área foi invadida pelos eucaliptos da Aracruz Celulose, de forma que as 48 famílias que resistiram em Linharinho ficaram reduzidas a apenas 147 hectares de terra. Outras portarias estão a caminho, em São Domingos, São Jorge, Serraria, São Cristóvão, o que tem provocado reações violentas e racistas por parte da Aracruz Celulose e de fazendeiros e grandes proprietários. Chamamos nossos amigos urbanos, camponeses e sem terras para esse enfrentamento contra o latifúndio, e asseguramos que a retomada das terras quilombolas não expulsará nossos irmãos e irmãs campesinas de suas pequenas propriedades familiares.
O Quilombo de Linharinho pretende apontar um caminho de retomada das terras pelas famílias quilombolas de Linharinho. Com mutirões de plantio de mudas de mata atlântica, de árvores frutíferas, produção agrícola, construção de casas e instalações que se possibilitem a habitação de famílias, com capoeira, jongo, ticumbi, hip hop, congo, quadrilha, forró, teatro, cinema, beiju, cuscuz, tapioca. Vamos retomar nossas terras. Acampe conosco nesta idéia. Seja bem vindo!
23 de Julho de 2007. Seguem assinaturas das organizações que apoiam a reocupação das terras.
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