Jornalista critica decisão judicial favorável a quilombolas da Marambaia
Vitória de Pirro na Marambaia
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Marcos Sá Corrêa*
Ponto para os quilombolas que disputam com a Marinha o direito de morar em 1.500 hectares de frente para o mar num dos últimos trechos ainda verdes do litoral do Rio.
O juiz federal Rafaelle Felice Pirro mandou, no dia 20, o Incra aviar a titulação dos lotes que eles ocupam na Ilha da Marambaia. Jogo jogado. Com quase 500 processos de regularização de quilombos correndo em surdina no País, essa pode ser, literalmente, uma vitória de Pirro, se acordar os brasileiros para esse grande debate que não houve.
O perigo, na Marambaia, não é o nome do juiz, mas o uso que se faz de um substantivo comum para sustentar a causa. Na luta para transformar a história do Brasil em bandeira de luta das populações tradicionais, a Associação de Moradores da Comunidade de Remanescentes de Quilombolas da Ilha da Marambaia não está sozinha. Multiplicaram-se, nos últimos anos, por índios, negros, seringueiros, ribeirinhos, caiçaras e geraizeiros as grifes dos movimentos étnicos. Juntas, reivindicam a posse de 25% do território nacional. Viraram símbolo do desenvolvimento sustentável no Ministério do Meio Ambiente. Invadiram em 2005 o Plano Nacional de Áreas Protegidas, que define as relações do governo com o patrimônio natural até 2020. Deram a senha para a proliferação de reservas extrativistas. Estão em alta.
Quilombola, no Brasil, virou licença poética. Ou melhor, política. Desde que o governo Lula baixou, com o Decreto 4.887, as normas para a regulamentação fundiária dos quilombos, como manda a Constituição de 1988, a palavra fugiu dos dicionários.
Quilombo, segundo a historiadora Márcia Motta, da Universidade Federal Fluminense, deixou de ser um grupo oriundo da fuga de escravos para se referir a todas as comunidades negras criadas ao longo da escravidão. Conta, para tanto, com o endosso da Fundação Cultural Palmares que, para todos os efeitos práticos, esticou até esgarçar a acepção do termo no governo.
Na Marambaia, a palavra se aplica a uma história mal contada que, passando em julgado por aquele canto da Baía de Sepetiba, tende a pegar no Brasil inteiro. Ali, existe uma reserva da Marinha onde, no século 19, o comendador Joaquim José de Souza Breves, cafeicultor e traficante, desembarcava os escravos que trazia da África. Era o pior endereço possível para um quilombo. Coisa que, aparentemente, a ilha nunca teve, como explicou há cinco anos o capitão Antonio Carlos Fonteles Juaçaba, pela dimensão reduzida e as elevações de pequeno porte, contra-indicadas para fortificações e esconderijos.
Mas, como a palavra está mudando, quilombola , na Marambaia, quer dizer herdeiro dos escravos a quem o comendador supostamente doou, de boca, no fim da vida, a ilha onde antes os depositava. Essa é a lenda local que se incorporou ao processo.
Mesmo se, na véspera da Abolição, os Breves mantinham pelo menos 6 mil escravos em seus cafezais no Vale do Paraíba e, em 1891, a viúva Maria Isabel de Moraes Breves vendeu a fazenda sem fazer, na escritura, menção à última vontade do marido. Parece inverossímil. Mas não numa terra onde quilombo, em vez de núcleo rebelde, agora é reduto do oficialismo.
*Jornalista e editor do site O Eco
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