IV Encontro do Projeto Etnodesenvolvimento Quilombola
“As parcerias, as ongs, são importantes, mas nós é que devemos tomar a frente da luta”.
A frase de Isaías Leite, da comunidade Alto da Serra, retrata o grau de autonomia e amadurecimento das comunidades atendidas pelo Projeto Etnodesenvolvimento Quilombola, que encerrou suas atividades reunindo mais de 100 quilombolas de nove comunidades do estado do Rio de Janeiro no IV Encontro de Comunidades Quilombolas.
O encontro aconteceu nos dias 25 e 26 de novembro, em Cabo Frio e teve a comunidade de Preto Forro como anfitriã – responsável pela infra-estrutura do evento (acomodação, alimentação e equipamentos). Estiveram presentes representantes das comunidades: Ilha da Marambaia (Mangaratiba), Alto da Serra (Rio Claro), Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis), Sobara (Araruama), Santana (Quatis), Travessão de Campos e Barrinha (Campo dos Goytacazes), Botafogo/Caveira (São Pedro da Aldeia), Botafogo (Cabo Frio). Algumas delas, como Sobara, Travessão e Barrinha, nunca haviam participado de um evento com outros quilombolas; todas manifestaram grande alegria por essa oportunidade.
Compareceram ainda as seguintes instituições: Associação de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Incra, Fundação Cultural Palmares (FCP), Instituto de Tecnologia Social (ITS), Comissão Pastoral da Terra de Campos (CPT), Cooperativa Cedro, Secretarias Municipais de Cabo Frio de Agricultura e Educação, Emater, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio. O IV Encontro do projetoInicialmente o encontro reuniria as três comunidades atendidas pelo Projeto Etnodesenvolvimento Quilombola –Ilha da Marambaia, Preto Forro e Alto da Serra – para que apresentassem os resultados do projeto. A idéia de convidar representantes de outras comunidades do estado surgiu a partir da identificação, por parte da equipe e dos participantes do projeto, da necessidade de fomentar uma rede de sustentabilidade quilombola, que promova uma maior interação e apoio mútuo entre as economias dessas áreas, fortalecendo ainda a noção de identidade quilombola.
Apresentação: lembranças, orgulho e esperança
Elias dos Santos, presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo de Preto Forro (Arquiforro), abriu o encontro saudando a todos os presentes. Em seguida, a equipe de KOINONIA apresentou o objetivo e a programação do encontro. A primeira atividade do evento consistiu na apresentação das três comunidades diretamente envolvidas no projeto. Cada uma fincou uma bandeira colorida no mapa do estado no lugar em que seu território se situa. Depois, os representantes contaram um pouco de sua história, como se integraram à luta quilombola, além de relatar como se desenrolaram os projetos de capacitação e a relação com os principais parceiros. Isaías Leite, presidente da Associação local Nós da Roça, de Alto da Serra, falou da importância de trabalhos de formação, destacando o Projeto Balcão de Direitos – realizado em 2005 por meio da parceria entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos e KOINONIA – e do de Etnodesenvolvimento Quilombola, que culminou com a elaboração de um projeto produtivo de artesanato, envolvendo mulheres e homens da comunidade. “Hoje sabemos aonde ir e como ir em busca de nossos direitos. Descobrimos nossa potencialidade. Agora, em nosso município [Rio Claro], somos respeitados em qualquer lugar. Todos sabem que não somos mais desorganizados. Hoje temos uma associação”.
O segundo grupo a apresentar-se foi da Ilha da Marambaia. Aluísio Barcelos, vice-presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar), agradeceu o apoio dado por KOINONIA, pelos alunos de Economia Doméstica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e as outras instituições que compõem a Campanha Marambaia Livre!. “Começamos realmente a conhecer a lei com o [procurador da república] Dr. Daniel Sarmento, mas sem a ajuda dessas pessoas não chegaríamos onde estamos hoje, embora agora só dependa da consciência do governo em relação aos nossos direitos”.
Os anfitriões, de Preto Forro, foram os terceiros a falar. Elias dos Santos, presidente da Arquiforro, lembrou dos atos violentos do grileiro contra os quilombolas: “Em 2004, ele [o grileiro] chegou até com seis capangas para nos ameaçar. Procuramos ajuda nos órgãos públicos, mas não tínhamos retorno. Com os projetos, conseguimos ter o conhecimento e saber o caminho para os nossos direitos e obter respeito”.
Encorajados pelos relatos dos primeiros grupos, as demais comunidades também falaram de seu histórico, prioridades e situação fundiária. Em todas as falas ressaltava a alegria do encontro com outros quilombolas, que possibilitou conhecer os problemas comuns de acesso à terra e outros direitos, mas sobretudo provocou um forte sentimento de valorização das origens. Regularização fundiária e políticas públicas em pautaNo que se refere aos processos administrativos do Incra, as comunidades reconhecem certos avanços, embora não entendam o porquê da lentidão do instituto para efetivar as titulações. Afinal, o Rio de Janeiro conta apenas com 30 comunidades quilombolas oficialmente identificadas e apenas uma, Campinho da Independência, titulada – sendo que pelo Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro/Iterj.Algumas comunidades, como Barrinha e Travessão (Campos), estão começando a se informar sobre a legislação, contando principalmente com o apoio da CPT, e, portanto, ainda não se depararam com essa questão. Outras, como Sobara (Araruama), detêm apenas a certidão da Fundação Cultural Palmares, mas o processo no Incra ainda não começou. Já Alto da Serra encaminhou o pedido à FCP em agosto, mas até agora não obteve resposta. Visita ao território de Preto ForroTalvez o momento mais emocionante tenha sido a visita à área da comunidade anfitriã. O território de Preto Forro não fica longe da escola Nilo Batista, local do encontro, mas o acesso é um tanto atribulado. Mesmo assim, para todos os participantes, valeu a pena. Para os quilombolas de Preto Forro, a visita gerou muito orgulho. Dona Nide, Aluisio, Elias, Ilzo e Eliane fizeram questão de mostrar a área e descrever um pouco o cotidiano da comunidade, como as famílias se distribuem na terra, como as crianças vão para a escola e o campo de futebol, principal atividade de lazer da comunidade, que inclusive conta com uma equipe feminina. Carta de Cabo FrioNa volta da visita ao território, organizou-se uma plenária. José Mauricio Arruti, coordenador do projeto, falou da importância de que o encontro não se resumisse apenas à exposição dos problemas: “Devemos tentar sair daqui com alguns encaminhamentos concretos”. Assim, foram redigidas as linhas gerais de um documento, provisoriamente chamado ‘Carta de Cabo Frio’, que enumera recomendações ao movimento quilombola, às organizações assessoras e aos órgãos públicos. KOINOINA divulgará o documento tão logo as comunidades signatárias aprovem a redação final. Para saber mais sobre comunidades do estado do Rio: Observatório Quilombola > Miniatlas RJ e acompanhe as notíciasPara saber mais sobre o Programa Egbé – Territórios Negros:Acesse www.koinonia.org.br Para saber mais sobre os outros encontros leia: RJ – II Encontro de Etnodesenvolvimento Quilombola – 09/05/2006RJ – Encontro em Lídice reúne três comunidades quilombolas do estado – 18/12/2005
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