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Quilombolas incluídos no relatório sobre direito à moradia

Relatoria Nacional Para o Direito Humano à Moradia Adequada inclui quilombolas em seu relatório final

Entrega do Relatório Final da Missão da Relatoria Nacional Para o Direito Humano à Moradia Adequada no Estado Do Rio De Janeiro

No dia 9 de novembro aconteceu a entrega oficial do relatório final da Missão da Relatoria Nacional Para o Direito à Moradia Adequada no Estado do Rio de Janeiro.

A Relatoria Nacional recebeu durante Audiência Pública realizada no dia 30 de maio de 2006 denúncias acerca das violações do direito humano à moradia adequada no Rio de Janeiro.

A Relatoria integra o projeto coordenado pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Plataforma Dhesc Brasil), apoiado pelo Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV/PNUD), pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. É um projeto da sociedade civil brasileira que tem por objetivo contribuir para que o Brasil adote um padrão de respeito aos direitos humanos com base na Constituição Federal e nos tratados internacionais de proteção dos Direitos Humanos ratificados pelo país. Entre as denúncias recebidas, foram apresentadas as envolvendo comunidades quilombolas, tanto urbanas como rurais, que estão tendo o direito ao reconhecimento de suas terras desrespeitado.

Participaram da audiência pública representantes da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ), quilombolas da Ilha de Marambaia, Pedra do Sal e Sacopã, além de representantes do Centro de Defesa do Direito à Moradia Contra Despejos (COHRE) e KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviços do Rio de Janeiro.

A seguir, trechos do relatório final sobre as denúncias e as recomendações feitas pela Relatoria Nacional acerca das situações envolvendo quilombolas da Ilha da Marambaia, Sacopã e Pedra do Sal.—————————–DENÚNCIAS RECEBIDASO Caso da comunidade quilombola da Ilha Marambaia

A comunidade da Ilha da Marambaia é formada por cerca de 161 famílias descendentes dos escravos do Comendador Breves, cafeicultor do país durante o império.

Com o fim da escravatura a fazenda entrou em decadência e foi desativada. As famílias negras permaneceram ali em posse pacífica até 1971, quando a ilha é entregue ao Ministério da Marinha de Guerra.

Os modos pelo qual se deu a formação dessa posse e também a maneira como tais moradores organizaram a apropriação territorial, adotando uma apropriação coletiva da terra, faz com que a Ilha da Marambaia se enquadre, de forma absolutamente coerente. As famílias de pescadores da Marambaia permaneceram, de fato, dentro de um regime próprio de uso do território. Além da pesca, a população utilizava-se das terras da ilha para cultivos agrícolas de subsistência, que davam ao grupo uma grande capacidade de autonomia com relação ao continente e ao mercado.

Informações qualitativas

O regime de gestão antigo foi alterado com a atuação de um representante militar da Aeronáutica nos anos de 1920 e 1930 e, depois, por influência da instalação da Escola de Pesca Darcy Vargas, em 1939. Nesse segundo momento, porém, a memória dos ilhéus identifica um período extremamente favorável, quando passaram a contar com serviços públicos de que não dispunham antes.

O terceiro impacto maior de agentes externos seria com a tardia implantação dos serviços da Marinha na ilha, em 1971, quando então os moradores, além de ter que conviver com os treinamentos militares, começaram a viver sob uma nova dinâmica social, repleta de restrições. São proibidos, por exemplo, de continuarem realizando suas roças de subsistência, de construir casas para filhos recém-casados ou mesmo reformar as já existentes e perdem os serviços públicos antes oferecidos, sem nenhum tipo de compensação por tais perdas.

As ações judiciais de reintegração de posse impetradas pela Marinha levaram à expulsão dos moradores da área. Sem apoio jurídico e na sua maior parte não-alfabetizados, aqueles que vão sendo condenados nesses processos são progressivamente expulsos. Os processos judiciais coincidem justamente com o momento de maior popularidade do tema das comunidades remanescentes de quilombos” e se acirraram depois das primeiras iniciativas da Diocese de Itaguaí na defesa daquelas famílias. Tais processos acabaram por se fragmentar em processos individuais, distribuídos por diferentes varas, impedindo que o caráter coletivo do conflito se manifeste. A leitura em conjunto dos processos não deixa dúvidas de que se trata de uma ação que incide sobre uma coletividade: o mesmo autor, o mesmo objeto e as mesmas argumentações, tendo por réus pessoas que vivem sob as mesmas condições e que fazem parte de um grupo social estreitamente tecido por relações de parentesco e de memória.Reivindicação da comunidade, negociação com autoridades e organização da comunidadeCom a intensificação das ordens de despejo e destruição de casas, reiniciam-se as tentativas de organização dos moradores, cuja primeira tentativa, datada de 1989, resultou frustrada.

Em janeiro de 1999, a Pastoral de Itaguaí elabora denuncias à Fundação Cultural Palmares, relatando as constantes ameaças de despejo feitas pela Marinha contra as famílias residentes na Ilha e envia cópia de dossiê elaborado pela própria Diocese a várias autoridades. No entanto, o processo de expulsão dos moradores continuou. A partir de 2000, KOINONIA retomou os contatos com pesquisadores e militantes atuantes na região. Em fins de 2001, entregou relatório preliminar sobre a situação ao Ministério Público Federal (MPF), que em 2002 moveu uma Ação Civil Pública contra a Marinha de Guerra e a Fundação Cultural Palmares (FCP), exigindo da primeira a suspensão das ações (físicas e jurídicas) contra os moradores e da segunda, a realização dos estudos para reconhecer a comunidade como remanescente de quilombo. Em 2002, o Programa Egbé foi solicitado pela própria FCP a realizar o laudo antropológico”, que foi entregue em 2003.Em novembro de 2004, é expedida a certidão oficial da Fundação, dando início ao processo de regularização fundiária da ilha, sob responsabilidade do Incra. No entanto, o trabalho do Incra foi diversas vezes interrompido em função da proibição por parte da Marinha da entrada dos técnicos. ó em fevereiro de 2006, o Incra voltou a entrar na Marambaia e finalizou a coleta de dados para a delimitação da área, mas para isso o Ministério Público Federal de Angra teve que entrar com uma liminar para garantir a entrada dos técnicos na ilha.Agravando tal situação, há um isolamento imposto aos moradores em relação a entidades e atores sociais vinculados à luta pelos direitos humanos, impedidos de entrar na ilha, fato que vem ocorrendo desde dezembro de 2005 com a equipe de Koinonia. Essa entidade é a responsável pelo já concluído laudo antropológico de identificação exigido pela Procuradoria Geral da República, não podendo ingressar na Ilha para implementar um projeto de Etnodesenvolvimento Quilombola em parceria com o Ministério de Desenvolvimento Agrário.A situação atual (desde a época em que a denúncia foi apresentada ocorreram fatos novos, que podem ser acompanhados pela seção de notícias do Observatório Quilombola)A comunidade remanescente de quilombo da Ilha da Marambaia aguarda a publicação do relatório técnico de identificação e delimitação de seu território étnico pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), uma das principais fases do procedimento administrativo que irá conferir o título de propriedade aos quilombolas que ocupam a região há 150 anos.Segundo o superintendente regional do INCRA – RJ, Mário Lúcio Meio Junior, o relatório já está concluído. No entanto, a comunidade e entidades da sociedade civil e de movimentos sociais temem que negociações políticas, que estão ocorrendo entre a Casa Civil e a Marinha, impeçam o andamento do processo de titulação da área reivindicada pelos quilombolas e confirmada pelo Incra.O Relatório Técnico, composto de informações referentes ao território e às famílias que ocupam a área em questão, ratifica direito de propriedade dos remanescentes de quilombo da Ilha da Marambaia, mas moradores ainda correm riscos de não terem a terra titulada.Após a publicação do Relatório e a notificação a entidades pertinentes, os interessados terão o prazo de 90 dias para contestarem o mesmo. Corrido este prazo, ocorre a demarcação da área e a posterior entrega dos títulos. No entanto, a Marinha vem intervindo extra-oficialmente, manifestando-se contra o documento antes da etapa prevista para contestação. Busca dessa forma alterar o processo e postergar sua conclusão. Ao mesmo tempo, a Marinha atua na divulgação de um discurso preservacionista – por meio de eventos, artigos e reportagens na grande imprensa -, contribuindo para a formação de uma opinião pública negativa da relação da comunidade com o meio ambiente.No dia 9 de abril, a Marinha informou à repórter da Revista Rets, por meio do seu diretor de Relações Públicas, Paulo Maurício Farias Alves, que o assunto está sendo conduzido pela Casa Civil da Presidência da República. A entrada da Casa Civil no processo causa estranhamento, já que a atribuição da regularização de terras quilombolas é do Incra. Esse cenário indica que as negociações com a Marinha atingiram o âmbito político e se afastaram do marco legal. Agravando tal situação, os quilombolas, assim como as entidades ligadas à causa, não conseguiram até o momento esclarecimentos ou informações junto à Casa Civil.O Ministério Público Federal de Angra declarou em 17 de maio de 2006 à KOINONIA, entidade dedicada à causa há cerca de cinco anos, que irá solicitar informações sobre o envolvimento da Casa Civil no assunto.O caso do Quilombo Urbano SacopãO Quilombo do Sacopã está localizado na ladeira do Sacopã, no Bairro da lagoa Rodrigo de Freitas, na cidade do Rio de Janeiro. Nesse local residem, há cinco gerações, cerca de vinte pessoas distribuídas em três casas.No que tange à titulação da terra, a comunidade possui a certidão de auto-reconhecimento expedida pela Fundação Cultural Palmares e o processo administrativo de regularização da titulação da propriedade está em andamento perante o INCRA/RJ. No caso em tela, foram relatadas as sistemáticas ameaças de despejo que ocorrem há, pelo menos, três gerações. A família Pinto, residente do Quilombo, é notificada constantemente sob acusação de desrespeito ao meio ambiente, o que é incompreensível para comunidade que vive a 80 anos em equilíbrio com a natureza.A comunidade está proibida de construir novas casas, enquanto grandes condomínios de luxo são construídos na mesma região, o que, segundo relatado pelos moradores de Sacopã, são responsáveis por danos ao meio ambiente que acabaram por causar o sumiço de espécies de animais nativos da região. Outra ameaça de despejo sofrida é decorrente de processo judicial de Usucapião, iniciada há mais de vinte anos na justiça do Estado do Rio de Janeiro, que a família ganhou em primeira instância, mas perdeu em grau recursal.RECOMENDAÇÕES DA RELATORIAComunidade quilombola da Ilha da MarambaiaA) Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)1. Publicação do Relatório Técnico Identificação e Delimitação do INCRA elaborado no âmbito do procedimento administrativo de titulação do território quilombola da Ilha da Marambaia, para dar continuidade ao procedimento de regularização fundiária da comunidade previsto no Decreto 4.887/2003 e regulada pela IN/20/2005.B) Ao Governo Federal1. Celebração de convênio entre a Marinha, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, Ministério das Cidades, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, Fundação Cultural Palmares – FCP e Casa Civil da Presidência da República CC/PR para a titulação do território quilombola da Ilha de Marambaia.2. Instituir o direito de informação aos moradores das ações a serem implementadas na ocupação.Comunidade quilombola de SacopãA) À Defensoria Pública do Rio de Janeiro1. A defesa em juízo do Quilombo Família Pinto no Sacopã mediante a intervenção no processo de usucapião em curso na defesa da titulação dos quilombolas que se encontra ameaçada de despejo.B) Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)1. A finalização do relatório antropológico para determinar a extensão da área a ser delimitada em favor da comunidade.2. Que o INCRA em conjunto com a SEPPIR e a Fundação Cultural Palmares, nos termos do Decreto nº 4.887/2003, entrem com Ação de Manutenção de Posse na Justiça Federal do Rio de Janeiro com o intuito de assegurar a permanência do quilombo do Sacopã em sua terra ancestral até o final do procedimento administrativo de titulação da área sob responsabilidade do Incra/RJ. C) À Fundação Cultural Palmares1. O fornecimento de informações sobre como tem se dado sua intervenção no procedimento de titulação do Quilombo Família Pinto, Sacopã.D) Ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro1. O acompanhamento da atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e da Fundação Cultural Palmares no âmbito do trâmite do procedimento administrativo de titulação do Quilombo Família Pinto, Sacopã.Comunidade quilombola da Pedra do SalA) Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)1. A intervenção nos processos de reintegração da posse em curso na justiça estadual do Rio de Janeiro/RJ;2. A agilização do procedimento administrativo para finalizar a regularização fundiária;B) Ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio de Janeiro:1. Que intervenham do IPHAN e do IPHAE na área da comunidade dos quilombos da Pedra do Sal, Bairro da Saúde no centro do Rio de Janeiro/RJ, por conta dos riscos de dano ao patrimônio cultural material a que está exposta à área por conta do “Projeto de Humanização do Bairro”, promovido pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco (VOT) Obra Social, Comunidade Européia, Caritas e Missionzentrale der Franziskanner;2. A abertura de estudos para o tombamento do patrimônio imaterial da Comunidade Quilombola da Pedra do Sal tendo em vista sua relevância para a história nacional da cultura negra, principalmente, aquela relativa às raízes do samba;3. Solicite à Venerável Ordem Terceira de São Francisco (VOT) Obras Sociais informações sobre o teor do “Projeto de Humanização do Bairro” e sua relação com as ações de despejo que estão sendo implementadas contra pessoas que compõem a comunidade quilombola da Pedra do Sal, reconhecida por certidão emitida pela Palmares através da Portaria n. 02 de 17 de janeiro de 2006, publicada no Diário Oficial da União do dia 20 de janeiro de 2006, seção 1, pg. 17.Relatora Nacional para o Direito Humano à Moradia AdequadaLúcia Maria Moraeslucia.dhescmoradia@gmail.comTel: (62) 9251-8244Assessora da Relatoria Nacional para o Direito à MoradiaVoluntária das Nações Unidas (UNV/PNUD)Patrícia de Menezes Cardoso Tel : (11) 3258-6121 direitoacidade@polis.org.br

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