Inaugurado o Centro de Produção Artesanal de Conceição das Crioulas
Por Fred Pessoa, CCLF
A história e a cultura do povo quilombola de Conceição das Crioulas ganhou mais um capítulo. No último dia 1º de novembro, a comunidade ganhou o Centro de Produção Artesanal Casa Comunitária Francisca Ferreira. Lá, cerca de 80 artesãos vão poder desenvolver trabalhos que contribuem para a afirmação da identidade étnica dos descendentes de seis negras que há cerca de cem anos decidiram ocupar a região para o cultivo do algodão e formaram o quilombo. A comunidade negra, fica no município de Salgueiro, distante 550 quilômetros do Recife, em Pernambuco.
O Centro inaugurado foi reformado nos últimos três meses e ampliado para abrigar salas de beneficiamento de matérias-primas, produção, estoque e comercialização do artesanato local. No total, foram investidos 75 mil reais que chegaram através da Oxfam, doados por uma única pessoa da Inglaterra. “Na verdade somos parceiros na comunidade, em dois projetos, mas nessa doação, nós apenas repassamos o dinheiro e fiscalizamos o cumprimento do projeto e o envio do relatório ao financiador”, comenta o representante da Oxfam no Brasil, Claude St-Pierre, que participou da inauguração. Para ele, a comunidade é um dos bons exemplos de desenvolvimento local apoiados pela agência de cooperação. “Conceição tem algo mágico, aqui existe de fato um sentimento comunitário e coletivo que unem eles todos na luta por dias melhoras para todos e todas”, confidenciou.
A comunidade contagiada recebeu o novo local de trabalho com festa, música, dança, poesia e falas públicas. No salão de reunião da Casa Comunitária, uma grande exposição com todos os produtos artesanais de Conceição das Crioulas. No interior do salão foram montados estandes para receber os visitantes que a toda hora chegavam em carros de frete, ônibus, cavalos, carros de boi ou a pé. Caravanas de estudantes, vindos dos municípios, vizinhos, lotaram o espaço.
Os olhos atentos das novas gerações deixavam felizes os artesãos e os organizadores da festa que são membros da Associação Comunitária de Conceição das Crioulas (AQCC). “Tanto na reforma e construção do novo espaço utilizamos mão-de-obra local, como também o espaço será para facilitar o trabalho dos artesãos e artesãs da comunidade que levam para tantos lugares o nome e a cultura quilombola do povo de Conceição das Crioulas”, enfatizou, Aparecida Mendes, coordenadora executiva da AQCC.
À noite, a solenidade oficial de abertura contou com a participação de autoridades apresentação de poetas, e muita música com a Banda de Pífano de Conceição das Crioulas. A Banda de Pífano tocou muito xote, baião, forró e arrasta-pé acompanhado do povo da comunidade que dançou o trancilim, dança típica da região, onde há um verdadeiro enlace das pessoas numa coreografia rápida e contagiante. Além dos moradores da comunidade convidados também fizeram parte da dança. Ao final, sanfoneiros foram convocados para terminar as festividades com muito forró até o dia amanhecer.
Artesãs falam da satisfação em produzir a própria identidade quilombola
Fonte: Fred Pessoa
“Eu aprendi a fazer bolsas de caruá (uma espécie de fibra que serve de matéria-prima para a fabricação de cordas artesanais), com minha mãe, e ela com uma tia dela, e a tia dela com a mãe, e não sei nem quando começaram a fazer essas bolsas”, sorri a artesã Francisca Júlia de Oliveira, 40 anos, moradora do Sítio Garrote Morto, em Conceição das Crioulas. “O que eu sei é que através dessas bolsas podemos mostrar nossa arte e cultura que veio dos nossos antepassados”, confirma.
É evidente que o artesanato em Conceição das Crioulas não é só um fator econômico e social, mas sobre tudo está ligado as raízes culturais históricas da comunidade. Esse trabalho ressurgiu de forma mais organizada na comunidade depois que técnicos e estudantes da Universidade de Pernambuco através do Imaginário Pernambucano, catalogaram os utensílios, projetaram embalagens e realizaram capacitação profissional para estimular a comunidade a desenvolver seus trabalhos.
Para se ter uma idéia, existem três tamanhos de bolsas, cada uma delas pode levar até uma semana para ficar pronta, desde de que a matéria-prima para a confecção já esteja preparada e tingida com corantes naturais. Os preços variam entre R$ 20,00 e R$ 40,00.
Ela explica que para confeccionar uma bolsa, é preciso entrar na caatinga, encontrar o caroá, arrancá-lo, levar para casa, depois tratá-lo desfiando a fibra, lavando-a e depois tingido-a. “Esse processo é o mesmo para qualquer um dos artesanatos feitos com caroá”, explica.
Além do trabalho pioneiro com o artesanato, um dos primeiros parceiros na realização de projetos para o desenvolvimento local, foi o Centro de Cultura Luiz Freire, que desde 2000, presta assessoria e consultoria a comunidade nos aspectos de gestão financeira e organizacional, desenvolve e acompanha projetos na área de Educação e Comunicação, em parceria com a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (AQCC).
Centro vai abrigar cinco áreas produtivas da comunidade
Fonte: Fred Pessoa, CCLF
O Centro de Produção Artesanal de Conceição das Crioulas é um espaço adequado para ampliar e qualificar ainda mais a produção artesanal da comunidade. Na casa foram contemplados cinco setores produtivos: beneficiamento de frutas, artesanato em caroá, em barro, em palha e em imbira. Além disso, o espaço conta com uma loja para venda de artesanato, onde podem ser encontrados todos produtos artesanais confeccionados em Conceição das Crioulas.
Em breve, o Centro também irá abrigar a futura rádio comunitária de Conceição das Crioulas (em processo no Ministério das Comunicações), e para isso foi reservada uma sala com as instalações necessárias para a implantação da rádio. “Estamos em fase de finalização das exigências para conseguir oficialmente a concessão para a rádio comunitária”, comenta Cida Medes da AQCC.
Além da construção do espaço, parte dos recursos doados foi destinada à aquisição de equipamentos para facilitar o processo produtivo e a implementação de uma unidade de produção de extratos naturais – corantes. A expectativa é que o novo local agregue ainda mais os cerca de 80 artesãos e artesãs que hoje trabalham em suas próprias casas, e possibilite a vivência real de um “negócio” coletivo, criando condições para melhoria da gestão administrativo-financeira do grupo e da qualidade dos produtos artesanais.
“Assim, será possível ampliar o volume de produção e atender novos mercados. Hoje, os cerca de 4 mil moradores da comunidade sobrevivem basicamente da agricultura familiar de subsistência e o artesanato vem se firmando como alternativa concreta de geração de renda”, explica Mendes.
Leia mais sobre o assunto acessando o site do Centro de Cultura Luiz Freire www.cclf.org.br
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