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MA – Bairro da Fé em Deus é considerado o maior quilombourbano do Brasil

Por Kátia Persovisan (katiapsv@hotmail.com)
Com colaboração de Eudes Oliveira de Alencar

Assistentes sociais da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado do Maranhão fizeram levantamento de descendentes de quilombos do interior e que vivem hoje no bairro situado entre Monte Castelo e Liberdade

Uma informação que até pouco tempo muita gente desconhecia: a Fé em Deus, bairro de São Luís localizado entre a Liberdade e o Monte Castelo, é hoje considerado como o maior quilombo urbano do país. “Quando se fala que São Luís tem um grande quilombo urbano, é preciso explicar antes para as pessoas que essa não é uma informação oficial, pois é uma descoberta do nosso trabalho na área das ações afirmativas entre as comunidades mais carentes”, afirmou a assistente social Rosângela Bertoldo, da equipe de pesquisadores da Secretaria de Desenvolvimento Social do Maranhão (Sedes). “À medida que se tem acesso às informações sobre a história dos afro-descendentes no Brasil, se constata que a maioria das pessoas hoje residentes no bairro Fé em Deus é oriunda de municípios do interior do Estado – de comunidades quilombolas, e vieram para a capital por várias razões. Por exemplo, grande parte das famílias que estão morando, atualmente, naquela periferia da Camboa é oriunda de Alcântara, muitas por conta da implantação da base de lançamento, que as expulsou de suas terras”, afirmou.

A equipe da Sedes, incluindo as assistentes sociais, é quem coordena as ações de levantamento de dados da situação das famílias carentes e também atua como um braço da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Governo Federal (SEPPIR). “Agora mesmo, por exemplo, nós estávamos trabalhando em um projeto de habitação para a comunidade da Fé em Deus por conta de esse bairro estar situado dentro dessa área de quilombo urbano, onde nós levantamos mais de 300 famílias que moram em palafitas”, contou a assistente social. Ao conversar com cada família que mora nas palafitas da Fé em Deus, a equipe também constatou que mais de 80 por cento é oriunda das cidades de Bacurituba, São Bento, Alcântara, ou seja, cidades da baixada maranhense. “A maioria é gente negra. Então, dizer que não é um quilombo urbano é não entender da história dos afro-descendentes deste país. Nós estamos afirmando isto sem ter nenhum estudo antropológico, mas nenhum bairro no país, isso eu posso afirmar, reúne tanto negro como a Fé em Deus. Isso eu garanto”, constatou a assistente social.

O projeto de retirada das famílias das palafitas não pôde ser executado este ano, porque um dos componentes para isso acontecer seria a desapropriação de uma área de uma antiga fábrica que fica no porto de Roma, e não foi possível o governo do Estado fazer essa desapropriação a tempo por causa da legislação eleitoral. “Então não houve tempo para que essa desapropriação acontecesse este ano, mas todo o trabalho com as famílias já foi feito. Identificamos cada uma e o trabalho está pronto para o próximo governo”, afirmou. A previsão é que sejam construídas 200 casas.

Nesse trabalho, os pesquisadores também puderam constatar que a maioria das pessoas vive de biscates e trabalho informal. São mais de trezentas famílias vivendo em condições subumanas. “O objetivo do projeto é tirá-los da maré, para recuperar o meio ambiente que foi completamente degradado, pois os mangues estão sumindo dali, porque as pessoas estão fazendo a casa em cima dos manguezais. O certo é retirá-las desse local e mudá-las para casas dignas e o único espaço ali seria a fábrica que já está desativada”, comentou.

Sobre o bairro

No bairro Fé em Deus também existe o Comitê de Palafitados, composto de pais e mães de famílias que moram naquelas condições. O bairro também conta com o Movimento Popular de Integração Comunitária que congrega e discute todas as demandas, necessidades da comunidade e a partir de cada projeto são formadas comissões específicas, como por exemplo, o Projeto de Erradicação das Palafitas. Dentro do movimento popular de integração da comunidade Fé em Deus foi tirada uma comissão de palafitados para discutir a mudança das famílias dessa condição de moradia precária.

Dona Joselina Silva, negra e moradora há dez anos na comunidade de palafitas da Fé em Deus, foi uma das cadastradas pela Sedes. Esperançosa em mudar de vida, ela aguarda com ansiedade o remanejamento prometido pelo governo. “Eu sei que essas coisas demoram mesmo, mas a gente espera sair daqui, porque isso não é vida para ninguém”, afirmou.

A mesma opinião tem seu Marcos Santos, também negro e morador de uma das palafitas. “A gente vive aqui porque não tem outro jeito. Mas eu fui um dos primeiros entrevistados pela equipe dos doutores (sic) do governo e tenho certeza de que um dia vou morar no seco”, sentenciou.

Uma outra antiga reivindicação da comunidade da Fé em Deus era a solução para o problema da rua da Vala. A rua tem esse nome justamente pelo esgoto ficar a céu aberto. Essa parte começou a ser resolvida, obras estão em andamento no local, acompanhadas com grande interesse e expectativa por integrantes do Movimento. A reportagem do JP flagrou máquinas e operários trabalhando no bairro, sob aplausos entusiasmados dos moradores.

Mas um olhar mais atento revelou de imediato as mazelas daquele bairro. Dezenas de homens e mulheres passam o dia nas portas de casa, pois emprego não há. Crianças de todas as idades e animais como porcos, galinhas, cachorros e gatos se misturam em meio ao mau cheiro e muita lama. Sinal de que muito ainda precisa ser feito.

Outros projetos

Uma outra boa notícia para a comunidade negra veio esta semana, por meio da assinatura de um termo de cooperação técnica entre o governo do Estado do Maranhão, governo federal e iniciativa privada que visa formular, integrar e articular ações de estímulo à atividade produtiva para o desenvolvimento sustentável. O termo de cooperação foi assinado durante o Seminário de Integração de Políticas para Quilombolas, que foi encerrado na quarta-feira, 23.

O seminário é o marco inicial para a viabilização de um projeto muito importante para essas comunidades que é a construção de casas populares nos municípios onde elas estão situadas, com o apoio da Caixa Economia Federal. “O Maranhão tem um déficit habitacional histórico e o governo do Estado e os representantes dessas comunidades têm lutado para conseguir esse benefício”, contou o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Jucelino Pereira da Silva.

O Maranhão tem mais de 400 comunidades remanescentes de quilombos – ao lado da Bahia -, é o Estado com o maior número de comunidades reconhecidas formalmente como remanescentes de quilombos. “A assinatura desse termo é muito importante para a implementação de novas ações para essas comunidades. As políticas públicas não são bem sucedidas quando realizadas de forma isolada, é preciso que todos os órgãos se irmanem e juntem esforços para integração dessas ações”, disse o secretário Jucelino. O gerente de projetos da Secretaria Extraordinária de Políticas de Promoção de Igualdade Racial explicou que com a integração das ações será possível levar mais benefícios para melhoria das condições de vida das populações negras e outros segmentos sociais historicamente descriminados.

Outro projeto desenvolvido pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social é o Ambara de Preto, que tem como enfoque a melhoria e o desenvolvimento das comunidades quilombolas. O Projeto se constitui um conjunto de ações e tem duas fases: a primeira consta de um mapeamento das demandas junto às comunidades quilombolas a serem beneficiadas. A segunda consiste no atendimento dessas demandas de capacitação profissional e de outras ações de políticas públicas.

Os cursos oferecidos são direcionados à qualificação profissional na área de gestão e cidadania. A escolha das duas comunidades contempladas ficará a critério dos municípios que deverão realizar o cadastro dos participantes dos cursos.

Na primeira etapa foram atendidos os municípios de Vargem Grande, Pedro do Rosário, Bacurituba, Nina Rodrigues, Vitória do Mearim, Cândido Mendes e Santa Quitéria, beneficiando as comunidades quilombolas com a realização do curso de Formação Política e Organização Comunitária.

“O projeto já está com mais de 50 por cento executado”, contou a assistente social Rosângela Bertoldo. Ela esteve esta semana num quilombo chamado “Sangrador” no município de Presidente Juscelino, avaliando o curso dado nessa primeira etapa. “Nesse quilombo, eles escolheram que querem fazer agora o curso de artesanato, junto com representantes de outras comunidades quilombolas próximas”, disse. No final da qualificação, os participantes receberão um kit ferramenta, para que possam continuar exercendo o ofício que aprenderam.

(Com dados da ascom da Sedes)

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