Koinonia em defesa de comunidade quilombola
Carta de repúdio acusa Marinha do Brasil de cercear direitos de moradores da Ilha da Marambaia
RIO DE JANEIRO – Uma área de mais de 16 milhões de metros quadrados, o equivalente a 4.500 campos de futebol, virou assunto de discussão entre a Marinha e a instituição Koinonia Presença Ecumênica e Serviço. O local é a Ilha da Marambaia, no litoral de Mangaratiba, uma das áreas mais estratégicas no litoral brasileiro. Koinonia diz que no local moram 160 famílias, todas descendentes de uma comunidade remanescente de quilombo. Lá eles vivem, segundo a instituição, sem acesso à educação e energia elétrica e só podem entrar e sair se pegarem carona em uma das embarcações da Marinha.
É que desde 1905, a área que pertence à União, está sob a concessão da Marinha do Brasil. Não é permitida a entrada de barcos particulares naquela costa. Toda movimentação tem que ser liberada pela Marinha.
As constantes ameaças de despejos que os moradores recebem também fazem parte das reclamações da instituição. Segundo Koinonia, desde 1998 a Marinha move ações judiciais de reintegração de posse contra os moradores alegando que eles seriam invasores da área. Muitos já saíram da terra; outros sem terem para onde ir ainda buscam uma solução. De acordo com um levantamento histórico disponível no site de Koinonia (http://www.koinonia.org.br/oq/cronologia1.htm), a população é descendente de escravos moradores da IIha, que em 1856 pertencia ao comendador Joaquim José de Souza Breves, um comerciante de escravos.
A área também tem sido foco de notícias por sua extensa área de mata. A Marinha quer as terras de volta porque alega que tem melhores condições para preservá-Ias. Por outro lado, a comunidade que vive na região há mais de um século, desmente a acusação de degradação ambiental.
Mas em resposta enviada ao AVANTE por e-mail, a Marinha diz que, de acordo com um censo realizado por ela na localidade, só existem 90 famílias morando na Ilha. Acrescenta ainda que segundo resultado de estudos e pesquisas, entre seus membros poderia haver descendentes de escravos já que esta é a terceira geração daqueles primeiros habitantes do local, mas eles não seriam remanescentes de quilombo. A Marinha também desmente a informação de que a comunidade não tem acesso à educação. Segundo ela na Ilha existe uma escola estadual local. “A Marinha não pretende retirar os moradores da ilha. Sua convivência com estes é amigável e inclui apoio gratuito dos serviços de atendimento médico-odontológico (fornecimento de medicação, remoção de pacientes por embarcação ligeira e ambulância de pronto emprego no ponto de apoio de Itacuruçá); transporte para o continente no trajeto ilha da Marambaia-Itacuruçá; assistência religiosa; e cessão e manutenção do prédio da escola Levy Miranda. Além disso, a Marinha, atendendo a uma solicitação dos moradores, determinou o estabelecimento de uma área de navegação restrita em torno da ilha. de modo a afastar as traineiras e garantir a pesca artesanal de subsistência”, esclarece a Marinha.
A carta da discussão
Enquanto a briga na Justiça parece não ter fim – os processos agora são tratados pela Casa Civil da Presidência da República – a população continua morando no local. A marinha informou que o Ministério da Defesa julgou prematura a realização da medição do território que a comunidade requisita e explicou que foi criado um Grupo de Trabalho (GT) para buscar uma solução que concilie os interesses da segurança e defesa nacionais e da comunidade.
A instituição Koinonia não está satisfeita com a posição da Marinha e com o objetivo de chamar a atenção do maior número de pessoas criou a “Carta de repúdio ao cerceamento dos direitos humanos da comunidade da Ilha da Marambaia, pela Marinha do Brasil, se à proibição de acesso da sociedade civil organizada e solidária pela promoção do Desenvolvimento Humano e Sustentável aos ilhéus quilombolas”. A carta é apenas a primeira de muitas ações que a instituição quer realizar.
“Mandamos cópias da carta para órgãos oficiais buscando um posicionamento. Esperamos que com esta campanha os setores da sociedade estes remanescentes de quilombos têm direito àquela terra e não conseguem obter porque a Marinha impede o Incra de entrar”, explicou Rosa Peralta, assistente do Programa Egbé – Territórios Negros no Rio de Janeiro, de Koinonia.
Recentemente, representantes da instituição Koinonia foram impedidos de entrar na Ilha. Eles pretendiam dar prosseguimento ao desenvolvimento de atividades do Projeto Etnodesenvolvimento quilombola, que pretende capacitar a população para a elaboração de uma proposta de desenvolvimento local sustentável com recursos do Ministério de Desenvolvimento Agrário.
“Ao proibir a entrada dessas organizações, violar inúmeros direitos da população e dificultar o processo de regularização fundiária da Ilha, a Marinha está protagonizando um dos casos do racismo ambiental que faz com que o modo de vida de muitos afrodescendentes brasileiros se torne inviável no país”, diz parte da carta de repúdio.
A Marinha alegou que não tinha conhecimento da carta. Quando a reportagem do jornal AVANTE entrou em contato com o serviço de relações públicas da Marinha, o órgão solicitou que enviássemos a cópia da carta e só então eles dariam um parecer. Depois de lerem e responderem outras perguntas, a Marinha disse que não se manifesta a respeito da carta.
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