Votorantim atinge quilombolas no sul do estado
Eucaliptos já se espalham por quatro mil hectares. A mão-de-obra contratada pela empresa se resume a 16 trabalhadores – apenas um é da comunidade local
Ângela Vargas
Daniel Cassol
De Bagé (RS)
Territórios históricos do latifúndio, em mãos de fazendeiros dispostos a venderem as terras, estão sendo tomados pelas empresas de celulose no Rio Grande do Sul. Com um novo conceito de “reflorestamento”, empresas como a Votorantim estão plantando milhares de
hectares de eucalipto – o que vai esgotar os recursos naturais e a vida nestas regiões.
Ao longo da BR-153, estrada que leva à cidade de Bagé, no sul do Estado, a paisagem se resume a grandes extensões de terras, onde se avistam raramente alguns animais e quase nenhum tipo de plantação. A perspectiva, porém, é que este cenário mude em ritmo acelerado.
Habitada por uma população remanescente de quilombos, a região de Palmas, no interior do município, já conta com quatro mil hectares de propriedade da Votorantim já cultivadas por eucaliptos ou em fase de plantio. Segundo a comunidade, a empresa gerou apenas um
emprego a moradores locais. O restante da mão-de-obra vem de outra região, sendo transportada diariamente, mas se resume a 15 trabalhadores. Forma de evitar o contato com a comunidade local e simbolizando uma estratégia de segurança de quem está cometendo crimes muito graves.
Degradação
Nestas áreas de plantio da Votorantim, dois dos principais rios da região, o rio Palmas e o Traíras, são usados para irrigação de pequenas propriedades, subsistência das famílias e fonte de alimentação através da pesca. O Palmas e o Traíras desaguam no Camaquã, um dos rios de maior extensão do Estado, e este na Lagoa dos Patos.
Relatam os moradores que, na fase de preparação da terra para o plantio dos eucaliptos, a área sofreu queimadas, aplicação de dissecante e formicida líquido, indo todo o excedente tóxico para estas águas. Afetando, assim, não somente o meio-ambiente e as populações locais, mas todo o território por onde passam os rios.
“Nós não queremos sofrer prejuízo nenhum, principalmente no que se refere ao meio ambiente. O negro é como o índio, precisa da natureza para sobreviver”. Essa é a resposta do casal quilombola, Eliege e Flávio de Alves, quando perguntados sobre o que significam para a comunidade os quatro mil hectares de eucalipto que estão sendo plantados ao lado da propriedade onde vivem.
Em uma casa simples, de móveis rústicos e acolhedora, entre o cuidado com as panelas, onde está sendo preparada a refeição da família em um fogão a lenha e com produtos cultivados na propriedade, Eliege vai relatando as mudanças já causadas pela empresa Votorantim Celulose.
A rotina simples e integrada com a natureza – como lavar roupas no rio, levar o rebanho de cabras para beber, pescar, e mesmo deixar que as crianças tomem banho nestas águas – está sendo alterada pela lei das grandes empresas que se estabelecem em meio às comunidades, sem perguntar se estas estão de acordo com o alto preço que será creditado às futuras gerações.
“Nosso filhos não vão conhecer plantas e animais que só existem por aqui”, lamenta-se Flávio, enquanto observa o filho que brinca com o cachorro. Há denúncias de que animais silvestres estão morrendo em conseqüência do agrotóxico usado pela empresa. A população sente-se insegura em relação à possível contaminação da água dos rios que abastecem a região.
Mais de cem famílias vivem em quilombos nesta região, além de outros camponeses que sofrem a ameaça de serem expulsos de suas terras ou sufocados pelo deserto verde que avança pelo sul do Brasil.
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