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Juiz condena Aracruz e vê má-fé em ação contra Século Diário

Ubervalter Coimbra

Artimanhas numa queixa-crime da Aracruz Celulose contra os jornalistas Rogério Medeiros e Stenka do Amaral Calado, de Século Diário, levaram o juiz de Nelson Darby de Assis, da 7ª Vara Criminal de Vitória, a condenar a empresa por suspeitar de tentativa visando a enganar a Justiça. Em sua sentença, ele afirmou que tal procedimento “pode expor uma subespécie de litigância de má-fé”.

Com base na lei, o juiz sentenciou: “Rejeito a queixa-crime”. Além de rejeitar a queixa crime, o juiz Nelson Darby de Assis condenou a Aracruz Celulose ao pagamento das custas processuais.

O processo da Aracruz Celulose contra Rogério Medeiros e Stenka do Amaral Calado, diretores de Século Diário, é o de número AP 1513/024050164995, protocolado em 29 de julho do ano passado. É um dos 28 processos, dos quais 25 queixas-crimes, protocolados pela empresa buscando calar Século Diário por repercutir as denúncias as vítimas de suas mazelas sociais, ambientais e econômicas.

As ações da empresa têm praticamente o mesmo teor, o que leva ao congestionamento da Justiça. As denúncias pedindo a censura do jornal vêm sendo rejeitadas.

A sentença do juiz Nelson Darby de Assis é datada de 1 de fevereiro de 2006 e foi comunicada nesta quinta-feira (18) aos jornalistas. Foi considerada “lapidar” pelo advogado dos jornalistas, Waldir Toniato.

Nelson Darby de Assis, em sua sentença, manifestou-se da seguinte forma:
“Aracruz Celulose S/A, pessoa jurídica de direito privado, substancialmente qualificada às folhas 2, em 29 de julho do ano passado, protocolizou perante este juízo Queixa Crime em desfavor dos jornalista Stenka do Amaral e Rogério Medeiros, também qualificados à mesma folha, imputando-lhes a prática das condutas delitivas previstas nos artigos 20, 21 e 22 da Lei n° 5.250/67 (Lei de Imprensa), a saber: calúnia, difamação e injúria. Os possíveis fatos, possivelmente caracterizadores das possíveis condutas alegadas como criminosas, foram expostas com proficiência na longa petição de folhas 2 usque 23.

Tratando-se de ação penal de natureza privada, antes de pronunciar o juízo de admissibilidade, ou não, da acusação, determinei a citação dos querelados para, caso quisessem, oferecerem resposta no prazo legal. A resposta veio aos autos e encontra-se anexada na seqüência de folhas 53 a 102. Instei o Ministério Público, como custos legis, a se manifestar. Este, através de sua competente representante manifestou-se em judicioso parecer, opinando pela rejeição da preambular de pretensão punitiva, por faltar, à mesma, condição exigida por lei, para o exercício da ação penal, qual seja, o cumprimento do disposto no artigo 43, caput, da Lei de Imprensa.

Mas, compulsando os autos observei que a falta apontada pelo Ministério Público podia decorrer de mero esquecimento, ou quiçá, desatenção na oportunidade de arrumação de peças, e assim proferi o despacho de folhas 207/208 dos autos: naquele despacho aponto as razões lógicas porque permiti à querelante, mesmo à destempo, trazer aos autos documento ausente (e essencial), uma ATA NOTARIAL, já lavrada por tabelião, fora mencionada, referida, conceituada, objetivada e doutrinada. Ora, se tantas alusões, tantas remissões o profissional subscritor da inicial fizera acerca da ATA, a regra de interpretação a ser aplicada, ante a sua ausência, era aquela que traz em si o conteúdo ordinário – ordinariamente presumi a existência do documento, e atribui a ausência ao possível e corriqueiro esquecimento… humano, propriamente humano, e facultei à querelante a juntada da mesma aos autos, em prazo marcado, para, então, proferir o despacho de inauguração da instância.

E a ATA (contendo a prova material da existência dos possíveis delitos) veio aos autos no prazo assinalado! Mas datada de 30 de novembro de 2005!

Data muito posterior à queixa; data posterior ao meu despacho. E data que me autoriza, agora, por inferência lógica a concluir de forma iniludível, que à época da apresentação da queixa, aquele documento não fora lavrado, como dito alhures; data que me autoriza, dedutivamente, a concluir que as assertivas, referências, conceitos contidos na queixa sobre aquela ATA, recaíam sobre um inexistente; data que me leva – lamentando muito – até mesmo a conjeturar a existência de uma tentativa anterior, de induzir o magistrado a erro; data que pode exportar uma subespécie de litigância de má-fé.

Pois bem, razões plenas à proficiente e arguta Promotora de Justiça subscritora do parecer de folhas 203/205, pois, carece a queixa de instrução adequada, como exige o artigo 43, cabeça, da Lei da Imprensa. O documento apresentado às folhas 213/216 foi lavrado em 30 de novembro de 2005, servindo, apenas, para demonstrar uma mera tentativa de suprir aquilo que já estava fulminado pela preclusão temporal.

Do exposto, com âncoras nos artigos 43, III (última parte) do Código de Processo Penal, c/c artigo 43, caput e artigo 44, § 1º da Lei n° 5250, de 9.2.67 (Lei de Imprensa) REJEITO A QUEIXA-CRIME, apresentada às folhas 02/23.

Nos termos do artigo 804 do C. de Processo Penal, CONDENO a querelante ao pagamento das custas processuais”.

Em outros processos, juízes se manifestaram em sentença ou decisão contra a Aracruz Celulose. Foi o caso do juiz Romilton Alves Vieira Júnior, que declarou “prescrita a pretensão punitiva estatal” no processo nº 1432/024.050.027.710 movido pela Aracruz Celulose.

O advogado dos jornalistas, Waldir Toniato, afirma que os jornalistas cumprem o dever de informar a sociedade sobre os danos ambientais e sociais que a Aracruz Celulose promove no Espírito Santo. E que não há nenhum fato denunciado em relação à empresa que não possa ser comprovado.

Lembrou o advogado que, além das sentenças dos juízes Nelson Darby de Assis e Romilton Alves Vieira Júnior, “a maioria das decisões são pela rejeição da queixa”. Diz que também a juíza Maria Cristina de Souza Ferreira, da 3ª Vara Criminal de Vitória, em decisão tomada no processo “AP 024.050.094.879”, não só rejeitou a queixa-crime da Aracruz Celulose contra a jornalista Manaíra Medeiros, de Século Diário, como condenou a empresa a pagar as custas processuais.

Cita ainda Waldir Toniato que no processo “AP 024.050.094.879”, a manifestação do promotor de justiça Rafael Calhau Bastos é igualmente contundente. Alguns de seus trechos dizem: “Da mesma forma, é público e notório que a querelada disputa com as tribos indígenas e com a comunidade quilombola a posse de terras, fatos estes que não podem ser ignorados.

II – Não se pode alçar à condição de ilícito penal aquilo que somente é desejado pela especial susceptibilidade da pessoa atingida e nem se deve confundir ofensa à honra, que exige dolo e propósito de ofender, com crítica jornalística objetiva, limitada ao animus criticandi ou ao animus narrandi, tudo isto, sob pena de cercear-se a indispensável atividade da Imprensa.

III – “A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ou ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como um meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada” (DENNIS LLOYD).

Writ concedido, trancando-se a ação penal.

Assim, entendo que a conduta imputada à querelada não constitui crime diante dos óbices impostos pelo art. 27 da lei de imprensa.

Desta forma, opina o MINISTERIO PÚBLICO seja a queixa-crime rejeitada, com fundamento no disposto no art.43, inciso I do Código de Processo Penal”.

Em apenas um caso a denúncia da Aracruz Celulose foi aceita. Mas a decisão foi tomada sem que sequer o Ministério Público Estadual (MPE) se manifestasse no processo, o que é obrigatório por lei. Waldir Toniato apontou as falhas na decisão e requereu sua reforma.

Veja algumas das denúncias contra a empresa

Século Diário vem denunciando que a Aracruz Celulose pratica mazelas no Espírito Santo, atingindo violentamente populações tradicionais como os quilombolas, índios e pequenos proprietários rurais, além de afetar a economia do Estado.

Uma das mais recentes denúncias contra a empresa foi formalizada pela própria Receita Federal. Aponta que a Aracruz Celulose se apropriou ilegalmente de base nos incentivos fiscais da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene). A soma é de R$ 211 milhões, sem considerar os juros.

Dos índios a Aracruz Celulose se apoderou de cerca de 40 mil hectares. Destes, a Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece 18.070 hectares, dos quais 11.009 o governo Fernando Henrique Cardoso, ferindo a Constituição Federal, cedeu à Aracruz Celulose. Os índios retomaram suas terras no ano passado e esperam sua demarcação oficial este ano.

A Aracruz Celulose também tomou terras dos quilombolas, à força ou comprando a preços vis. Os quilombolas são donos de praticamente a totalidade do antigo território de Sapê do Norte, formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Pesquisas científicas em fase de conclusão confirmam que os quilombolas capixabas têm direito a um território com cerca de 50 mil hectares, ocupados por empresas. Destas, a principal usurpadora é a Aracruz Celulose.

As pesquisas apontam que os negros foram forçados a abandonar suas terras: em Sapê do Norte existiam centenas de comunidades na década de 70, e hoje restam 37. Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado: atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos cerca de 1,2 mil famílias.

A Aracruz Celulose é poderosa e seu lucro líquido foi de R$ 3,170 bilhões nos últimos três anos. A transnacional é presidida pelo brasileiro Carlos Augusto Lira Aguiar, engenheiro químico, nascido em 1945, em Sobral, no Ceará.

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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