NUER identifica quilombo em Campos Novos
O Núcleo de Estudos sobre Relações Interétnicas (NUER) – ligado ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – elaborou um conjunto de laudos e pareceres antropológicos, finalizados em janeiro deste ano, a respeito da comunidade de remanescentes de quilombos de Invernada dos Negros, em Campos Novos. As pesquisas servirão de ferramenta para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) implementar o Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003 (ver box ao final da matéria), que prevê a identificação, o reconhecimento, a demarcação, a titulação e o registro das áreas onde habitam os remanescentes.
As perícias do NUER são o resultado de um convênio firmado entre a UFSC e o INCRA em dezembro de 2004. A partir desta associação, o projeto Quilombos no Sul do Brasil foi iniciado. A professora de antropologia da UFSC, Raquel Mombelli, coordenou as pesquisas na comunidade de Invernada. Junto a um grupo formado por mais cinco estudiosos, elaborou os pareceres antropológicos a partir de buscas documentais, relatos dos habitantes locais e acompanhamento da problemática fundiária.
Mombelli explica que o local onde hoje habitam os descendentes de quilombos foi deixado como herança – através do testamento do fazendeiro Matheus José de Souza Oliveira – a 11 escravos que trabalhavam e moravam na antiga fazenda São João – como era chamada a região por volta de 1877. Originalmente, a área da terra destinada aos escravos era próxima de oito mil hectares. Léa Condé, asseguradora do programa Brasil Quilombola em Santa Catarina, conta que “hoje , eles [os remanescentes de quilombos] têm aproximadamente 400 hectares”. A asseguradora também acredita que existem mais de 100 proprietários no local, desde empresas de papel e madeira a plantadores de grãos.
A questão fundiária também impossibilita a chegada de políticas públicas à comunidade. Por isto, a coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado (MNU), Vanda Gomes, avalia o estudo realizado pelo NUER como “riquíssimo”. O coordenador do Ordenamento Territorial do INCRA em Santa Catarina, Doroteo Martins, também enfatiza que projetos e convênios como os realizados entre o Instituto e a Universidade Federal de Santa Catarina, são muito importantes. “É um resgate de uma dívida social que o governo federal tem para com as pessoas que reivindicam estas áreas [expropriadas]”.
Para a realização dos levantamentos, o Governo Federal enviou, aproximadamente , R$ 68 mil ao NUER, como informa Léa Condé. Ao INCRA, foram destinados cerca de R$ 190 mil. Com a verba, foi efetivado o projeto, que abrangeu – além da comunidade de Invernada dos Negros, no meio-oeste do estado – as localidades de São Roque (SC) – situada entre Mampituba (RS) e Praia Grande (SC) – e Casca, no norte do Rio Grande do Sul.
Próximas etapas visam publicação de relatório
Terminada a fase inicial de realização de laudos sobre as condições sociais, históricas e culturais em que foi constituída a Invernada, o INCRA passa agora pelo levantamento de títulos na região, afim de legitimar as terras expropriadas. Como aponta a coordenadora do NUER, Ilka Boaventura Leite, a falta de documentos que registrem o poder dos descendentes também é um agravante no processo de demarcação.
Seguindo os critérios do decreto 4.887, o INCRA ainda deve elaborar medidas de detalhamento das condições do local e um parecer conclusivo, para assim publicar em edital o relatório com todas as perícias até então obtidas. O documento ficará disponível a críticas e reivindicações por 90 dias.
Todo o serviço realizado pelo INCRA conta com o auxílio de um Grupo de Trabalho criado pela ordem de serviço do próprio Instituto. O Grupo é composto por 13 profissionais das áreas de agronomia e antropologia, além de procuradores e representantes do Movimento Negro Unificado.
Para Léa Condé, o INCRA deve publicar o edital de Invernada dos Negros por volta do dia 20 de novembro. A data coincide com o aniversário de três anos do Decreto 4.887.
Situação Atual
A comunidade de Invernada dos Negros é classificada como um reduto de descendentes de quilombolas desde 2004. O reconhecimento – obtido através da Fundação Palmares e do Ministério da Cultura – serviu para que os habitantes da região conseguissem reivindicar seus direitos. Na região de Invernada, não há hospitais ou postos de saúde e existem duas escolas – ambas de primeiro grau.
Mais de 70% das terras de Invernada são ocupadas por empresas de papel e madeireiras que vêm sendo acusadas de realizar reflorestamento de pinus na área do cemitério da comunidade. Em setembro de 2005, também ocorreram denúncias acerca de irregularidades no serviço dos trabalhadores – grande parte formada pelos próprios moradores das localidades. Desde então, o Ministério Público e a Polícia Federal acompanham o caso.
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